Especial Mês Lésbico: “A vida da mulher lésbica e desfem é se provar o tempo todo”, desabafou a produtora Halana Lacerda

Entrevista Especial Mês Lésbico

Agosto é considerado o Mês da Visibilidade Lésbica, por conta disso, o Lesbocine reuniu várias influenciadoras e artistas lésbicas para compartilhar suas experiências no campo pessoal e profissional. A primeira entrevistada é a produtora de eventos e criadora de conteúdo, Halana Lacerda.

Halana contou para nós a sua jornada de autodescoberta em relação à sua sexualidade e como percebeu sua orientação sexual desde a infância até se assumir para si mesma, família e amigos aos 16 anos. A produtora, também destaca a pressão da sociedade heteronormativa para se assumir publicamente e como isso afetou sua vida. Confira:

Como foi o processo de autodescoberta em relação à sua sexualidade? Quando você percebeu ou compreendeu sua orientação sexual?

Me lembro de quando eu ainda estava na 1ª série e sentia algo muito diferente por uma amiguinha da escola. Eu levava a mochila dela, pedia para minha mãe colocar doce na minha lancheira para levar para ela. Mas na minha cabeça, eu só teria algo com ela se eu tivesse nascido homem.

Entre 12 e 13 anos, uma menina me chamou de lésbica na escola, e eu fiquei sem entender nada porque nunca tinha ouvido aquela palavra antes. Perguntei o que era, e me responderam: “é mulher que quer casar com mulher”. Nisso, minha cabeça fez um “BOOOM”, fiquei chocada e esperançosa ao mesmo tempo, não sabia que isso era possível. Até então, nunca tinha ouvido a palavra lésbica, apenas gay, achava que só existia homens que ficavam com outros homens. Depois disso, comecei a me entender, a me questionar e a me permitir. Aos 16 anos, me assumi para mim mesma, para minha família e para meus amigos.

Reprodução: Halana Lacerda através dos cliques da sua noiva, Bel Moreira

Em uma sociedade heteronormativa, é comum existir pressão para se assumir publicamente. Como foi lidar com essa pressão em relação à sua família, amigos e/ou trabalho? E como isso afetou sua vida?

Acho que para mim foi muito natural, eu estava muito feliz fazendo aquilo, então não levei como uma “pressão”. Eu sentia que estava me libertando de algo que escondia há muito tempo.

Eu sou uma mulher desfem desde criança, na minha família nunca teve esse tipo de comentário, eles cresceram me vendo assim. Mas já ouvi de outras pessoas isso de “se eu for ficar com uma mulher que parece homem, eu fico com homem logo”, e na época eu não entendia a problemática dessa frase. Me sentia mal, mas não entendia o porquê. A vida da mulher lésbica e desfem é se provar o tempo todo. 1º: Não quero ser homem 2º: Não sou assim por conta de abuso/trauma e nem nada do tipo. A sociedade não consegue engolir a gente.

Majoritariamente vemos na mídia mulheres lésbicas, bissexuais e pansexuais femininas, e quando uma mulher expressa sua identidade de desfem, as pessoas olham com estranheza. Como você enxerga a representatividade de mulheres desfem na mídia? Existe alguém que te inspirou durante o seu processo?

Toda vez que eu vejo uma mulher desfem eu abro um sorriso. Como eu moro no interior, era muuuuito raro de encontrar, eu me sentia muito estranha e desamparada. Quando comecei a ficar mais velha, trabalhar e frequentar outras cidades, foi um alívio para mim, porque eu comecei a ver e encontrar outras mulheres desfem e aquilo para mim foi um alívio e alegria ao mesmo tempo! Na internet, eu nunca encontrei alguém que me inspirasse. Sempre via conteúdos sobre tudo, menos sobre ou com uma lésbica desfem por trás da tela. Por isso comecei a criar conteúdo para talvez alguma pessoa que também não teve essa “referência” quando mais nova, tivesse. Hoje em dia sigo várias criadoras de conteúdo lésbicas, desfem, e aprendo muito com elas!

Qual é o significado do orgulho lésbico para você? Como você expressa seu orgulho em relação à sua identidade sexual?

Para mim, é existência, é coragem. É não abaixar a cabeça. Ficamos tanto tempo calados e aceitando migalhas, achando que não tínhamos direito de ser, de ser feliz, de estar.

Como é para você ser uma figura de representatividade na mídia da comunidade LGBTQIA+? Como você se enxerga nesse local de ser um modelo ou até mesmo uma voz para a comunidade?

Ao mesmo tempo que é algo muito bom e que eu não tive quando mais nova, eu me sinto um pouco pressionada. Às vezes as pessoas me olham e me veem só como uma lésbica, então eu só tenho que falar sobre isso. E também, parece que não temos margens para erros. É uma cobrança interna e externa, e um medo de errar absurdo. Não temos segunda chance. Mas, ao mesmo tempo, recebo muitas mensagens de adolescentes, jovens adultas, mães que começaram a me seguir para entender melhor sobre a filha, e são essas coisas que me dão gás para continuar.

Reprodução: Halana Lacerda e a noiva, Bel Moreira, na sua primeira campanha publicitária juntas

Alguma vez você já enfrentou alguma situação de preconceito ou perdeu oportunidades de trabalho devido à sua sexualidade? Como você lidou com essas situações?

Uma vez eu fui levar um currículo no shopping para uma loja bem alternativa, e me falaram que para eu trabalhar lá eu teria que “mesclar meu estilo”. Teria que usar maquiagem alguns dias da semana e o uniforme feminino, e nos outros dias o uniforme masculino, e etc. Eu tinha uns 19 anos, foi a primeira vez que sofri um baque com isso. Acho que a maior parte de discriminação que sofri foi por parte de parentes de amigos e ex-namoradas. Até hoje tenho dificuldade de conhecer familiares de amigos por conta dessas situações.

Em sua opinião, qual é o papel da internet e das redes sociais na promoção da visibilidade e aceitação da diversidade sexual?

Para mim, é de maior importância para que a galera que está vindo aí tenha mais informações, mais conteúdo sobre a gente. O que eu não tive na época. Muuuuito dos assuntos eu só fui ter acesso durante a pandemia, quando estouraram várias criadoras de conteúdo, inclusive foi quando eu comecei também. Muita coisa que eu nem sabia que era lesbofobia, e era.

Você já teve experiências positivas de compartilhar sua história e vivência com outras pessoas? Como isso impactou tanto você quanto as pessoas com quem compartilhou?

O mais gostoso são as mensagens que eu recebo me agradecendo. São essas pessoas que me dão forças para aguentar o show de lesbofobia que eu recebo quando os conteúdos viralizam e estouram a bolha. Meu público é muito carinhoso comigo e sempre fazem questão de falar o quão gratos eles são pelos conteúdos. Meu coração fica quentinho.

Se você pudesse dar um conselho para si mesma quando estava lidando com o medo em relação à sua sexualidade, qual seria?

Escute mais o seu interior e pare de fazer coisas para agradar os outros. Quem for seu amigo vai continuar sendo o seu amigo. Você vai passar por muita coisa, mas vai ser forte, como sempre! Viva feliz!

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