Bissexuais em destaque | “Você não precisa caber na caixinha que o mundo coloca em você e nem atender às expectativas de outras pessoas”, afirma Clara Alves

Entrevista Especial Mês do Orgulho Bi

Clara Alves, uma escritora e editora freelancer, é reconhecida por suas histórias que exploram o amor entre jovens garotas. Seu primeiro romance LGBTQIAP+, “Conectadas”, conquistou posições de destaque nas listas de mais vendidos da Veja e do PublishNews, e ainda recebeu o prestigioso selo Cátedra Unesco de Literatura da PUC-Rio. Em uma celebração especial pelo aniversário da Galera Record, Clara Alves e outros renomados autores da literatura jovem nacional se uniram para criar a emocionante e representativa antologia “Finalmente aos 15”.

Em entrevista ao Lesbocine, Clara compartilhou sua jornada pessoal de autodescoberta, destacando o que a inspirou a escrever obras que abordam histórias que ela mesma desejava encontrar na adolescência. Além disso, destacou o seu desejo de adaptar “Romance Real” para uma produção audiovisual.

Como foi o processo para entender a sua bissexualidade? Teve alguém na mídia que se tornou referência para você durante esse processo?

Pra mim, foi um processo muito longo e demorado. Demorado porque, por muito tempo, eu não entendia totalmente meus sentimentos, nem o que eles significavam. Me identifiquei como hétero até começar a faculdade — porque eu me atraía por homens, então não tinha por que pensar diferente, né? Pouco antes disso, no fim do ensino médio, eu comecei a assistir Grey’s Anatomy. E acho que a Callie Torres foi a personagem que mais reverberou em mim nesse período e me ajudou a entender algumas coisas que estavam confusas (não é à toa que eu cito ela em Conectadas, haha).

A bissexualidade em muitos produtos, principalmente no audiovisual, é retratada através de elementos narrativos que percorrem pela confusão, promiscuidade e/ou ambiguidade. Para você, como isso afeta os jovens que estão entendam a sua sexualidade?

Eu digo por experiência própria que mais nos afastam do autoconhecimento e da autoaceitação do que qualquer outra coisa. A primeira personagem bi que eu tenho lembranças foi a Marissa Cooper, de The O.C. E a bissexualidade dela é retratada justamente como uma “fase” — a fase “rebelde”, atrelada a drogas, a coisas ruins. Eu acho que por muito tempo eu não me permiti pensar na bissexualidade, porque via ela como algo ruim, pra ter vergonha. Então eu colocava meu interesse por mulheres na caixinha da admiração, e ficava com o que era “confortável” pra mim. Por conta disso, eu sinto que cresci muito desconectada de quem eu era e da minha própria sexualidade (aqui, mais no sentido de vida sexual mesmo, de entender meu corpo, meus sentimentos, do que da orientação), e tive que me desfazer de muitas amarras até ter coragem de me assumir.

Você se tornou uma das principais referências da literatura voltada para jovens mulheres sáficas, o que te motivou a começar a escrever sobre esses romances e histórias?

A decisão de escrever “Conectadas” veio justamente dessa minha virada de chave. Do momento em que eu me senti pronta para me entender e me aceitar, e resgatar todos os medos e inseguranças que habitaram a Clara adolescente e ressignificar eles.

Você escreve desde a infância, será que a Clarinha de 8 anos estaria feliz com o caminho que ela percorreu até agora?

Com certeza. Como escritora, eu sempre amei resgatar minhas vivências e meus sentimentos e transformá-los em prosa. A Clara de 8 anos não fazia isso conscientemente, mas a escrita pra mim já começou assim: muito pessoal e íntima. E tudo que eu sempre sonhei foi que essas histórias repercutissem nos outros, como acontecia comigo com as histórias que eu lia. Ver meus livros chegando a tanta gente é uma realização gigantesca.

Nos últimos anos houve um crescimento no lançamento de obras voltadas para comunidade LGBTQIA+, como você enxergar o impacto desses livros na nossa comunidade, especialmente na vida de mulheres lésbicas e bissexuais?

São tantos impactos positivos que é até difícil enumerar. Acho que o primeiro deles é o que venho falando nas últimas respostas: autoconhecimento. Quando você cria um leque de possibilidades de histórias, com diferentes vivências, pontos de vistas, espalhadas por todo lugar, na internet, no celular, nas livrarias — você tá dando a essas mulheres a possibilidade de se enxergar, de se entender, de perceber que tá tudo bem e que você não tá sozinha. E de fazer isso cedo, quando você ainda tá tentando se entender. Um outro impacto importante é mais amplo: a formação de uma sociedade mais respeitosa, mais tolerante. Quando você escreve histórias pra jovens, histórias de amor, histórias de fantasia, as histórias que eles sempre leram mas com diversidade você permite que os jovens enxerguem as diferenças, que entendam e estejam abertos a elas. E com isso, a gente vai caminhando pra um mundo um pouco melhor.

Você pode contar para gente mais detalhes sobre o livro “Finalmente 15”? Como surgiu o convite para você participar da lista de 15 autores?

Eu recebi uma mensagem da minha agente, a Alba, dizendo que a Galera me queria numa antologia de comemoração dos quinze anos da editora. Seria uma coleção de contos, de quinze autores, com a temática dos quinze anos. Eu fiquei tão feliz, porque a Galera tem um papel muito importante na minha formação como leitora! E foi pensando nos meus quinze anos, na minha adolescência, que surgiu o enredo do meu conto: uma mistura de Se Eu Fosse Você com Sexta-feira Muito Louca — só que sáfico, claro. Em Eu no seu lugar, a Stella tem um ranço fora de série da Maiara, uma garota da sua escola, e acaba acordando no corpo dela, no dia da festa de 15 anos da garota. E aí elas vão ter que se juntar, claro, pra descobrir como reverter a situação.

Você tem um contato próximo com os seus leitores, seja pelas redes sociais ou através dos eventos, você pode compartilhar conosco alguma experiência positiva que tenha te marcado?

Eu recebo muitas mensagens, todos os dias, sobre como Conectadas e Romance real fizeram os leitores se entenderem, se assumirem, como os livros os ajudaram numa fase difícil. E todas elas são especiais da sua maneira. Mas eu acho que as histórias que mais me marcam são sempre de pais. Recentemente, uma mãe falou num evento que não deixou a filha ler Conectadas quando ela pediu pela primeira vez. Mas voltou atrás, e agora tava ali no evento com a filha, porque queria entender ela e os sentimentos dela, e pediu indicação de livros pra ler. É sempre muito bonito ver pais querendo se desconstruir, se permitindo aprender em nome do amor que eles sentem. (Claro que indiquei Conectadas pra ela! Hahaha)

Sabemos que é difícil escolher um só, mais qual das suas obras vocês gostaria que fosse adaptada para um filme ou série?

Acho que seria muito legal ver Romance real ser adaptado. Tem algumas coisas que mudei na narrativa porque não funcionavam em texto, e sempre fico pensando na possibilidade de sugerir elas pro audiovisual se um dia rolasse uma adaptação.

É perceptível que a literatura trouxe os finais felizes que almejamos, mas como você vê o futuro da representatividade no audiovisual brasileiro? Será que teremos mais histórias leves no futuro?

Eu espero que sim, mas ainda me preocupo um pouco com o audiovisual. Sinto que ele tem andado muito mais lentamente do que a literatura. Mesmo quando temos alguma representatividade, as séries são sempre canceladas, ou os filmes não chegam no Brasil. Sinto que nesse ponto ainda temos um longo caminho a percorrer, mas como sou sempre otimista: pelo menos já estamos melhor do que estivemos há alguns anos, né?

Se você pudesse dar um conselho para si mesma quando estava tentando entender à sua sexualidade, qual seria?

Você não precisa caber na caixinha que o mundo coloca em você e nem atender às expectativas de outras pessoas. Seja você e seja feliz. Isso é tudo que importa de verdade.

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