Conversas de Viajantes: Descobrindo o Mundo com o casal Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani do Blog Estrangeira

Entrevista

Conhecer o mundo é uma paixão do casal Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani. Através das viagens, elas imergem em diferentes culturas e conhecem histórias únicas. Cada destino se torna um capítulo emocionante em sua vida, proporcionando surpresas e descobertas que expandem seus horizontes e as fazem compreender o mundo de maneiras emocionantes.

Movidas por seu amor pela viagem, Fabia e Gabi decidiram criar o blog Estrangeira em 2014. Como talentosas profissionais do audiovisual, elas transformaram o blog em um diário virtual que vai além das palavras, trazendo textos, fotos e vídeos que capturam a essência de suas experiências. Através desse espaço, elas compartilham suas histórias e oferecem valiosas dicas para tornar cada jornada ainda mais memorável.

Primeiro conte para nós como vocês se conheceram e como surgiu a ideia de criar o blog?

Fabia: A gente se conheceu em 2012. Eu tinha uma produtora de vídeo – eu ainda tenho – e a Gabi foi trabalhar comigo de estagiária. Primeiro, ficamos amigas e depois, com o tempo, a gente se apaixonou. Começamos a namorar e nos casamos dois anos depois. O blog surgiu em 2014, depois da nossa primeira viagem juntas, que foi para o Egito. Meus amigos pediam para ver fotos e vídeos das viagens muito antes de estarmos juntas, e sempre tive vontade de compartilhar. Quando começamos a viajar juntas, decidimos criar o blog. No início, era um blog de viagem mais genérico, mas percebemos com o tempo que faltava blogs e pessoas que falassem mais especificamente sobre Turismo LGBT, ainda mais sob a ótica de mulheres. Até porque já existia algumas coisas do ponto de vista gay, mas não tinha mulheres fazendo isso. Então, decidimos compartilhar nosso ponto de vista: como que a gente tinha se sentindo em cada lugar, se a gente se sentiu à vontade, bem recebidas. E começamos a focar mais em Turismo LGBT.

Reprodução: Blog Estrangeira
Reprodução: Blog Estrangeira

Já deu para perceber que vocês amam viajar, mas quando começou essa paixão? Como foi a primeira viagem de vocês juntas? Onde vocês foram e como essa experiência impactou o relacionamento de vocês?

Fabia: Eu fiz minha primeira viagem aos 20 anos, fui fazer um mochilão na Europa e fiquei três meses. Aí ferreou tudo (risos), eu vi que era o eu gostava e que eu queria fazer! Desde então,  eu guardo todo o meu dinheiro pra viajar. É o que eu mais gosto de fazer, é a minha maneira de lidar com as coisas e de procurar respostas, quando eu preciso.

Gabi: Minha primeira viagem internacional foi aos oito anos, porque tenho uma tia que mora nos Estados Unidos, e a gente foi visitá-la. Eu fui algumas vezes com os meus pais. Depois, fui crescendo e fui gostando de viajar sozinha. Quando eu conheci a Fábia, isso também aumentou, porque como ela é viciada em viagem, como acabou de contar, me contagiou também, e essa é a nossa rotina. A gente planeja a nossa vida pensando em viagens que vamos fazer e planeja nossas finanças pensando nas viagens e tudo mais. Como a Fabia falou na outra pergunta, nossa primeira viagem foi para o Egito. Ficamos 15 dias no Egito e depois 5 dias em Londres na mesma viagem. Apesar do Egito ter sido uma viagem muito difícil – vou falar sobre isso em outra resposta – essa viagem consolidou o nosso relacionamento. A gente já estava juntas há um ano mais ou menos, mas foi ali que percebemos que íamos dar certo. Ficamos grudadas todos os dias sem nenhum problema. Foi muito gostoso. Eu tive que ir embora alguns dias antes, porque peguei menos tempo de férias do que a Fábia na época. Quando a gente se despediu no aeroporto, parecia que nunca mais a gente ia se ver e que a gente ia morrer (risos) porque, assim, o tanto que a gente chorou… sabe como é sapatão, né? (risos) Nossa, naquele momento ali, eu soube que eu ia casar com a Fábia.

Vocês poderiam compartilhar uma história de viagem inesquecível que tiveram como casal e que tenha sido marcante para vocês?

Fabia: A gente ficou aqui pensando: já fizemos tantas viagens legais que é difícil escolher assim uma mais marcante, mas você perguntou uma marcante como casal, né? Então, acho que a gente vai escolher a nossa lua de mel que foi para Barcelona em 2015. A gente fez uma lua de mel estendida, tiramos um semestre sabático e ficou lá seis meses. Foi maravilhoso! A gente estava numa vibe de férias, fizemos muitos amigos e a gente se apaixonou por Barcelona. Um ano e meio depois dessa viagem, a gente voltou para ficar lá e moramos quatro anos, né? Mas essa primeira estadia de seis meses, acho que foi bem mágico assim, a gente gostou bastante.

Qual é o momento mais emocionante ou memorável que vocês vivenciaram ao viajar para um destino que foi especialmente acolhedor?

Fabia e Gabi: A gente está aqui pensando, e eu acho que vamos mencionar duas experiências: uma foi o Uruguai. O Uruguai é um país muito avançado em termos de legislação, de garantir direitos, e ficamos muito surpresas porque, normalmente, quando viajamos, nós entramos em contato com ONGs, hospedagens e empresas de passeios para tentar fechar parcerias para o blog. A receptividade lá foi muito grande, assim, todo mundo querendo fazer parceria e trabalhar com a gente. Ficamos muito, muito, muito surpresas com isso. Todo mundo que a gente conheceu e viajou foi sensacional, assim, em todas as cidades. Os prestadores, os guias… Ficamos positivamente surpresas, foi muito legal! E no ano passado, outra cidade que nos surpreendeu positivamente foi um destino muito pequenininho no sul, nos Cânions do Sul, que é uma cidadezinha chamada Praia Grande, que fica na divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A gente achou que ia ser super conservador, né? Porque é uma região conservadora, Santa Catarina é um dos estados mais conservadores do Brasil, né? E a gente não estava esperando a recepção que recebemos. A gente foi pra lá fazer um passeio com uma empresa que se chama Canyons do Sul, e as proprietárias são um casal de lésbicas. Foi maravilhoso! Elas conseguiram criar ali um ambiente incrível! Os fornecedores delas são todos Gay Friendly, tratam todo mundo muito bem, elas fazem o trabalho super personalizado! A gente andou de balão, foi um passeio super romântico também. Gostamos muito, e foi bem emocionante e nos surpreendeu para o bem. Porque a gente já sabia que ia fazer todo o passeio com elas, mas estávamos um pouco apreensivas com as outras pessoas, os guias, a hospedagem, a cidade, o restaurante, e foi tudo incrível, foi muito legal! Fora que lá é lindo!

 

Reprodução: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani em Punta del Este, Uruguai
Reprodução: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani em Punta del Este, Uruguai

Quais são suas três principais dicas de viagem para pessoas LGBT que desejam explorar destinos ao redor do mundo?

Fabia e Gabi: A primeira dica é pesquisar sobre o destino, ver se ele é LGBT friendly e se tem leis que defendem a comunidade. É uma boa também procurar por ONGs específicas que trabalham com essa população. Porque às vezes você pesquisa e vê que o destino até faz propaganda de turismo LGBT, mas não tem nada que proteja a própria população LGBT, e aí a gente já sabe que é uma furada, né? A gente precisa de um destino friendly de verdade, que proteja a própria população! Outra coisa é buscar na internet relatos em blogs, canais de YouTube e redes sociais de blogueiros LGBTs, como a gente, mas tem vários outros também que podem relatar uma experiência real, né? “Então, eu fui, o legal foi isso, o que não foi legal foi aquilo”, e eu acho que isso traz um pouco para a realidade. Por exemplo, Malta é um país que parece no topo dos melhores países para LGBTs porque recentemente criaram uma série de leis para a população LGBT, porém, na vida real, não é bem assim. É um país super conservador, super religioso e pequenininho. Até tem vários bares LGBTs, mas a gente estava conversando com a dona de um dos bares e ela falou que os locais não frequentam o bar, os locais não saem do armário, quem está nos bares são os gringos, os turistas que chegam nos navios e cruzeiros gays. Então, quem frequenta esses lugares são os turistas, o local não, porque é muito difícil ele sair do armário ainda. Então, quem for pesquisar o nosso post sobre Malta vai ter esse relato que é mais fidedigno com a realidade. E a terceira dica é depois que você já escolheu o destino, que você sabe que não vai correr riscos, vá de coração aberto. Porque a gente às vezes vai com medo, com o coração fechado, já pensando “esse lugar é conservador, não vai ser legal”, e aí quando você tem espaço para se surpreender positivamente, é mais legal também, né? Como aconteceu no sul, como aconteceu em Belém do Pará, que a gente foi uma vez super preconceituosas achando que ia ser conservador e é uma cidade muito progressista na cena LGBT. Também tem que estar preparado para, de repente, ter que enfrentar alguma coisinha ali que não seja tão legal, né? Daquela coisa pequena de já chegar no hotel e falar “Oi, a cama são duas camas de solteiro? É cama de casal mesmo?” ou de alguém fazer algum comentário que não seja bacana. Então também esteja sempre preparado para lidar com essas coisas.

Quais são os principais desafios que vocês já enfrentaram como viajantes LGBTQIA+ e como lidaram com eles?

Fabia e Gabi: Sem dúvida, o maior desafio foi a viagem para o Egito, porque é um país muito religioso e conservador, onde você ser LGBT é crime. Também é um país muito repressor para as mulheres, né? Então, tem aí uma dose dupla de dificuldade: mulheres ocidentais viajando “sozinhas” – não estávamos sozinhas, estávamos juntas – mas todo mundo lá encarava a gente como mulheres viajando sozinhas. Tinha muita desconfiança, então mentíamos; a gente falava que éramos primas, porque a segurança estava em risco mesmo. A gente não poderia falar que éramos um casal. Reservamos camas de solteiro e aí juntávamos as camas para dormir. Depois de manhã, separávamos as camas de novo. É muito difícil, né? Porque nós erámos era um casal fora do armário, e muito tranquilas com a nossa sexualidade. Quando chega num lugar desse, você é obrigado a voltar para o armário, é muito difícil emocionalmente e não faz sentido numa viagem, né? Porque quando você está viajando, você quer descansar, você quer curtir, e isso causa estresse. A gente visitou templos realmente únicos, coisas que não tem em outro lugar, e mesmo assim, a gente estava sempre se sentindo meio mal. Aí você deve estar se perguntando: “Mas por que vocês foram para o Egito?” A gente queria muito conhecer o país, a história. E é aquilo que eu falei, né? Foi nossa primeira viagem juntas, e a gente não sabia muito bem o que esperar enquanto casal. Eu só tinha viajado com meu marido ou sozinha (disse Fabia). Então, não fazíamos ideia como seria viajar como um casal lésbico. A gente achou que ia ser OK. E fora isso, tiveram outros desafios pequenos assim que agora eu não sei nomear, mas acho que todo LGBT entende. Às vezes você está num lugar que até é considerado seguro, mas você está à noite num lugar que você fala, putz, “será que aqui eu posso andar de mão dada? Está meio estranho”, fica meio com medo. Como é a nossa vida em qualquer lugar que a gente mora, né? Isso acontece também nas viagens, às vezes obviamente que se é um destino mais conhecido por ser friendly a chance disso acontecer é menor, mas às vezes rola uma insegurança. E por isso, depois do Egito, a gente optou em não ir mais para países onde é crime ser LGBT ou que seja muito conservador. Não temos nenhum interesse em ir pra sei lá, Dubai ou esses lugares, sabe? É evitar problema, e a gente vai gastar nosso dinheiro num lugar que nos aceite e nos queira bem.

Como vocês escolhem os destinos para suas viagens? Existem lugares específicos que vocês recomendam especialmente para a comunidade?

Fabia e Gabi: A primeira escolha tem a ver com qualquer viajante, independente de orientação sexual e/ou identidade de gênero, que é: quanto tempo, quanto dinheiro e para onde queremos ir. Mas existe uma segunda camada, que é fazer aquela pesquisa que explicamos pra vocês. E os destinos que recomendamos para a comunidade… Aqui na América do Sul, com certeza, o Uruguai, como a gente já falou, é um lugar muito legal, e a Argentina também! No Brasil, temos pontos específicos, as capitais. Pra quem não é de São Paulo, vir pra São Paulo tem uma cena muito interessante. O Rio de Janeiro também, como a gente falou lá nos Cânions do Sul, fazer o passeio com as meninas que é super especial. Recife e João Pessoa têm uma cena legal também. Na Europa, tem muita coisa, né? O Reino Unido é maravilhoso, tem várias cidades, como Birmingham, Manchester, Bristol. Essas cidades têm uma cena enorme, é muito bom, e Londres nem se fala! Espanha, Barcelona e Madrid são capitais LGBTs do mundo. Assim mesmo, as cidades menores, quando moramos em Barcelona, a gente viajou pra muitas cidades, todas elas são muito legais no geral, todo mundo é muito bem recebido, tem pouca violência, é muito bom. A Alemanha, Berlim também é uma cena muito conhecida Queer, super ultraprogressista e jovem. Paris. Em Portugal também tem suas coisas interessantes, em Lisboa e no Porto, apesar de ser um país um pouco mais conservador, ali as cidades maiores têm uma cena interessante. Nos Estados Unidos também tem muitos lugareis legais. Nova Iorque é um talvez um dos epicentros históricos, inclusive da luta LGBT, então tem uma grande quantidade de bar LGBT. É tanto, tanto, tanto, tanto bar que você não tem nem como planejar em um ano conseguir conhecer todos. E tem museus, tem ruas históricas assim, é uma viagem bem legal! E tem outros destinos como Las Vegas e a Califórnia.

Reprodução: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani em Londres, Reino Unido
Reprodução: Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani em Londres, Reino Unido

Quais são algumas das atividades ou eventos relacionados ao turismo LGBTQIA+ que vocês consideram imperdíveis em suas viagens?

Fabia e Gabi: Quando viajamos, sempre procuramos os rolês LGBTs. Nós, meninas, sabemos como é difícil achar bares e eventos legais focados no público lésbico, né? Têm cidades que têm pouquíssimos; mesmo Barcelona tinha um/dois bares e umas festas esporádicas. Então, era sempre aquela luta às vezes pra gente achar os bares que fossem para a comunidade LGBTs e não focados no público de homens gays. Aliás, acho que vale mencionar que o lugar que mais teve rolês lésbicos foi Paris. Paris tem bastante coisa específica para lésbicas. Não só lésbicas, né? Mulheres no geral. Além disso, a gente vai muitas vezes atrás das livrarias LGBTs ou feministas. Gostamos de visitar museus, principalmente quando estamos em uma cidade que tenha museu sobre a história LGBT daquela cidade ou daquele país. A gente gosta muito de museus no geral. Então, se tem, a gente vai, mas é mais raro. Não é toda cidade que vai ter lugares assim. Vale mencionar, no geral, os eventos que têm pelo mundo, né? As paradas, os festivais, tem o ELLA Festival, que é um festival espanhol que rola em Mallorca, duas vezes por ano: uma edição de verão e uma edição de inverno, e às vezes elas fazem também em outros lugares do mundo. Ia ter no Brasil, mas cancelaram. Esse é um festival só pra mulheres mesmo, ele é bem focado, é legal. E tem o Circuit Festival também lá na Espanha e várias paradas que são famosíssimas.

Vocês já receberam algum feedback ou história inspiradora de leitores LGBT do blog que foram influenciados positivamente por vocês? Se sim, poderiam compartilhar um exemplo?

Fabia e Gabi: Recebemos muitas mensagens de seguidores, especialmente as meninas, que dizem que ficam muito inspiradas em ver duas mulheres viajando juntas, que se espelham muito e que querem ter um relacionamento como o nosso, encontrar alguém para viajar o mundo. Acho que recebemos até mais quando lançamos um documentário sobre o casamento homoafetivo no Brasil em 2015, já faz um tempinho, né? Agora já está meio desatualizado, se chama “Vestidas de Noivas” e está no YouTube. Nessa época, muita gente veio falar que se inspirava em nós como um casal por causa do filme, né? Porque a gente fala da história do casamento homoafetivo no Brasil, entrevistamos uma série de pessoas e mostramos o nosso processo de casamento também. Então as pessoas falavam que viram a gente lá e que se inspiravam nessa história de final feliz mesmo. De que as pessoas LGBTs podem e devem ser felizes, né? E muita gente falava que tinha mostrado o documentário para os pais, para os avós, que foi uma maneira de mostrar pra família como era possível ser feliz e que elas podiam ter uma vida feliz sendo LGBT. Então, isso era muito emocionante. E na época quando lançou, a gente fez muitas exibições em ONGs, em universidades, e as pessoas choravam. Era emocionante, foi assim um período muito emocionante.

Confira o documentário “Vestidas de Noiva” dirigido por Fabia Fuzeti e Gabi Torrezani

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