Para iniciar a celebração em homenagem ao mês da Visibilidade Bissexual, convidamos a Alice Carvalho para conversar sobre vida pessoal e carreira. A atriz, dramaturga e roteirista compartilha seu amor pelo entretenimento, destacando o impacto positivo do apoio da comunidade LGBTQIA+ e seu orgulho em dar protagonismo ao Nordeste na websérie “Septo”, e agora na série “Cangaço Novo” da Prime Video.
Alice Carvalho começou escrevendo sua própria peça teatral, “Do Amor”, e criou a primeira websérie potiguar do Brasil, “Septo”, que recebeu prêmios em festivais nacionais e internacionais. Com uma formação teatral sólida e participação em diversas produções, incluindo “INKUBUS”, que lhe rendeu o prêmio de “Artista do Ano” no Troféu Cultura RN, Alice vem se destacado no cenário artístico nacional. Além disso, sua presença em séries, filmes e projetos audiovisuais, como “Cangaço Novo” e “Angela”, continua a expandir sua influência no mundo do entretenimento. Com projetos futuros promissores, como “Guerreiros do Sol” na Globoplay, Alice Carvalho permanece como uma figura notável e criativa na indústria do entretenimento brasileira.
Como foi o processo para entender a sua sexualidade? Você teve alguém na mídia que era referência para você que te ajudou?
Como para muitas mulheres como eu, que cresceram ouvindo ladainhas conservadoras sobre seus corpos e seus desejos, foi uma “descoberta” amedrontadora nos primeiros meses. Acho que sempre tive interesse por mulheres e homens, mas o momento da racionalização disso me paralisou um pouco. Medo da família, dos amigos se afastarem, aquela coisa toda. Mas, lembro também, que não durou muito, e as referências que eu tinha me ajudaram a desembolar esse nó eu encontrei no teatro e no curso de artes, não na televisão – o que eu agradeço um bocado.
A bissexualidade em muitos produtos audiovisuais é retratada através de elementos narrativos que percorrem pela confusão, promiscuidade e/ou ambiguidade. Para você, como isso afeta que jovens entendam a sua sexualidade?
Acho que é uma grande barreira para autoaceitação e, sucessivamente, um desserviço que afasta as pessoas de viverem em verdade seus desejos – que, mesmo ocultados, vão seguir existindo internamente, cheios de culpa.
Você é uma apaixonada pelo audiovisual, é atriz, roteirista e diretora? Conta para gente como começou esse amor?
Parece que meu amor pelo ofício da atuação floresceu antes mesmo que eu pudesse articular desejos conscientemente. Minha jornada teatral teve início na infância, no Rio Grande do Norte, onde encontrei no teatro uma forma de terapia para suavizar os efeitos da hiperatividade que eu tinha. Naquela época, as apresentações teatrais eram raras para mim, então a televisão se tornou uma janela para observar as grandes atrizes em ação que eu aspirava vivenciar um dia.
À medida que a adolescência se aproximava e eu realizava meus primeiros testes, enfrentando as rejeições, que fazem parte do processo, surgiu um novo interesse, o estudo de roteiros. Essa busca nasceu da minha vontade de criar narrativas onde eu também pudesse explorar. Foi dessa aspiração que anos depois surgiu “SEPTO”, uma websérie que ganhou vida com a colaboração dos meus amigos potiguares. A recepção calorosa que a série teve na internet abriu portas que eu, uma jovem de Parnamirim, jamais imaginou que pudessem se abrir. Essa jornada revelou a força do meu amor pelo teatro, desde os primeiros passos em busca de equilíbrio e auto expressão até o processo criativo que o projeto “SEPTO” trouxe, transformando tudo em realidade.
Quais os desafios que você enfrentou ao longo da sua carreira? E quais deles você ainda observa que é uma constante no mercado audiovisual?
O maior desafio sempre foi ser aceita como eu sou, com a minha cor, forma de falar, orientação sexual, etc, a grande alegria é que as coisas têm mudado um tanto, e a gente tem estreitado as fronteiras e a discrepância de oportunidades que aparecem pra certos grupos de pessoas mais “padrão” e pra outras que não se encaixam nisso. Trabalho de formiguinha – e como somos muitas, consigo enxergar um futuro positivo lá na frente, pra mais meninas como eu.
Com base na sua experiência quais são as mudanças que você gostaria de ver na indústria para promover uma maior aceitação para a comunidade bissexual?
A coisa mais importante a ser feita pra que isso mude, é que as salas de roteiro precisam trazer profissionais com conhecimento de causa e lugar de fala pra escreverem suas próprias histórias. Se isso de fato começar a acontecer com mais frequência, mais produtos representativos estarão na tela pra gente promover de forma cadenciada uma reconstrução de imaginário para/pela comunidade.
Qual é a importância de ter espaços seguros e de apoio para artistas da comunidade LGBTQIA+ na indústria? Você encontrou comunidades ou grupos de apoio que foram essenciais para você durante sua jornada?
Talvez o grupo mais importante pra minha caminhada tenha sido o público LGBTQIA+ que consumiu ferozmente “SEPTO” e se comprometeu a mandar e-mails, mensagens, mostrar suporte de alguma forma. A sensação de não estar só e, principalmente, a de ter sentido naquela obra que a gente estava construindo temporada à temporada foi fundamental para o meu entendimento dentro da comunidade e minha missão com meu trampo.
“Cangaço Novo” foi filmada no Nordeste e tem atores da região em papéis de destaque, para você como foi participar desse projeto que deu protagonismo ao nordeste?
Como norte-rio-grandense senti um orgulho imenso em estar nesse projeto com colegas nordestinos de vários estados. a série é de tirar o fôlego com as sequências de ação feitas num padrão nunca antes visto no Brasil, mas arrepiante mesmo é dar play num episódio e ouvir a prosódia verdadeira de gente que nasceu ali. É melodia, é poesia, é verdade.
Quando pensamos em webséries brasileiras com protagonismo lésbico, “Septo” com certeza vai está lista! Depois do sucesso de “Septo”, você produziria outra série com protagonismo de mulheres sáficas?
Há um projeto de longa-metragem meu em andamento, com sala de roteiro composta por Germana Belo (RED), Priscilla Vilela e Vitória Real (Septo). A trama é protagonizada por um casal lésbico, sexagenário e interracial. No início de tudo tivemos ainda o reforço de Natalia Borges Polesso, vencedora do prêmio jabuti com seu livro sáfico “Amora”, acredito que em breve a gente consiga falar mais dele!
Você fará par romântico com Alinne Moraes na novela ‘Guerreiros do Sol’, você pode dar algum spoiler? Ou contar como os caminhos de vocês cruzaram.
Otília e Jânia são personagens muito fortes, num registro diferente de tudo que a gente fez. Vai ser lindo demais! Alinne é uma parceira massa, generosa pra caramba, estamos muito empenhada em fazer com que todo mundo se apaixone por essa história.
Se você pudesse dar um conselho para si mesma quando estava lidando com o medo em relação à sua sexualidade, qual seria?
“Beija logo essa menina, boba. isso que tu sente não precisa de cura porque já é o próprio remédio!”