Como a cultura participativa potencializou a representatividade lésbica em telenovelas mexicanas através de Juliantina

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Após evitar por anos tramas onde casais LGBTQI+ apareciam, em 2018, o conservador conglomerado mexicano deu um passo e inseriu em seu horário nobre duas produções onde os casais principais eram LGBTQI+, sendo um gay e um lésbico. Apostando em casais LGBTQI+ a Televisa tem alavancando sua audiência com histórias de amor homossexuais. Em “Meu marido tem outra família’,’ o romance entre dois adolescentes gays de quinze anos é um dos temas principais da trama, por exemplo. Além de representar um marco na dramaturgia mexicana, uma vez que, anos atrás, em 2009, o beijo de dois atores na novela “Os bem-sucedidos Pérez” havia sido censurado. O universo dos fãs é repleto de particularidades, dentre elas, uma que chama mais atenção é a cultura dos shippers que caminha alinhada com a produção de fanfics. As fanfictions são ficções criadas por fãs, que utilizam uma história ou personagens de um determinado trabalho já existente para criar sua própria história baseada nele. E shipper, uma adaptação da palavra inglesa relationship, que significa relacionamento. Ship significa nada mais nada menos que casal ou dupla.

O discurso utilizado pela produção da novela, juntamente com as atrizes, que tornaram a relação fictícia das personagens algo natural e com diversas interações nas redes sociais, incluindo fotos juntas e a utilização da hashtag juliantina, tag usada para comentar sobre o shipper, trouxe a lógica de novas mídias interagindo. A partir daí, iniciou-se a grande produção de fanfics que, para além de criar histórias mudando os rumos da telenovela, também criaram um novo segmento onde as atrizes principais supostamente teriam relações, criando assim o shipper Barbarena, também alimentado pela Macarena e Bárbara até os dias de hoje.

Outro ponto a se analisar, é o peso do trabalho do fandom durante e após a exibição da novela. Como já citado anteriormente, a Televisa não tem o melhor histórico quando se trata de transmitir conteúdo de casais LGBTQI+, pelo contrário, eles costumam censurar até simples contatos. Nesse ponto, é possível voltar ao dilema da Globo, em “Malhação Viva A Diferença”, ao qual teve a mesma atitude com o casal Limantha, ato que gerava grande revolta nos fãs. Após pressão de jovens de diversos países, que acompanhavam “Amar a Muerte”, a Televisa resolveu liberar a cena do primeiro beijo das duas, sendo assim o primeiro beijo lésbico em horário nobre no México (imagem 1).

Também aconteceu um fenômeno interessante por se tratar de uma produção mexicana, em que muitos fãs não tinham acesso direto, por não residirem no país. Durante a novela os fãs utilizaram das redes sociais, tags e todo burburinho possível, para conseguir a liberação de cenas censuradas ou filmadas em câmeras alternativas, o que foi atendido e, posteriormente, liberado com exclusividade nos site da emissora. A votação dos Prêmios TVyNovelas foi também uma ferramenta de pressão dos fãs na gigante Televisa, ao agir de maneira estratégica. Eles, os fãs, usaram o resultado da premiação para pedir por spinoff, série e filme focado apenas na história do casal. Em Novembro de 2019, o canal lançou em formato de série um compilado especial de 19 capítulos, incluindo cenas extras que não foram ao ar, contando o enredo do relacionamento.

Pouco tempo depois, foi anunciado, em um programa matinal de grande audiência do canal Las Estrellas, a produção de uma série e um filme com a história delas e, mais uma vez, a transmidiação foi vista em ação. O anúncio foi feito pelas próprias atrizes, mas não sem antes, gerar toda uma áurea de surpresa para os fãs nas redes sociais, através de um reencontro das atrizes. De maneira inteligente, a W Studios, responsável por criar tanto a série quanto o filme, criaram uma plataforma alternativa onde os fãs poderiam postar suas fanfictions quem além de serem lidas pelas atrizes, por meio de áudios também seriam utilizadas na criação da narrativa do filme e da série, dando na mão dos fãs um pouco mais de participação direta na história das duas personagens.

Se você não pode contra eles, junte-se a eles. Foi nesse pensamento que a gigante Rede Globo anunciou a entrada de “Amar a Muerte” e “A Usurpadora” no catálogo da Globoplay, um anúncio para além de alegrar os fãs, nos convida a analisar a mudança no mercado audiovisual nacional e latino-americano. Uma vez que, pela primeira vez, duas rivais estão se juntando. E, também demonstra a força que a cultura participativa vem impondo em grandes obras. O novo propósito comercial muda não apenas histórias, mas também estratégias de vendas.

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