Por: Victoria Tuller
Premiação de cinema mais popular do mundo, o Oscar anunciou seus indicados para a edição de 2022 nesta terça-feira (08). Para quem fica na torcida por filmes com personagens sáficas ou atrizes que integrem a comunidade LGBTIA+, temos entre os indicados desse ano a animação A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, Ariana DeBose em Atriz Coadjuvante e, é claro, Kristen Stewart — que, mesmo com a candidatura perdendo força nas últimas semanas, ainda segue como uma das principais favoritas prêmio de Melhor Atriz.
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Este não é o único ano em que a presença de representações lésbicas e bissexuais é escassa na lista das melhores produções eleitas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
O Lesbocine fez um apanhado histórico das principais obras que foram indicadas ao longo dos 93 anos do evento. E a gente já adianta: a maior parte dos títulos escolhidos pelos votantes ao longo de quase um século reflete a importância de discutirmos o que é representatividade e o que não passa de uma ânsia constante de vincular relacionamentos sáficos à violência, tragédia e atipicidade.
The Children’s Hour (1961)
Em 1936, quando o diretor William Wyler tentou adaptar a peça de teatro The Children’s Hour para o cinema pela primeira vez, Hollywood ainda era regida pelo Código Hays.
O Código, que nada mais era do que uma cartilha de censura à produção de filmes, proibia que o cinema retratasse abertamente qualquer tema relacionado à homossexualidade, a menos que o assunto fosse tema de piadas. Por isso, a história de duas professoras que são acusadas de ser amantes por uma aluna não pôde ser contada além das insinuações.
Em 1961, quando as normas ainda valiam, mas já vinham sendo flexibilizadas em alguns casos especiais, Wyler decidiu revisitar o projeto e produzir um novo longa, desta vez com as estreladíssimas protagonistas Audrey Hepburn e Shirley MacLaine.
Ainda que muito sobre a sexualidade das personagens paire junto ao que não é dito (e ainda tenha o desfecho trágico com o qual, infelizmente, já estamos habituadas), o filme propõe uma discussão importante para o momento histórico em que foi lançado, trazendo os efeitos catastróficos da homofobia para o centro do debate.
Indicações ao Oscar: Melhor Atriz Coadjuvante (Fay Bainter); Melhor Direção de Arte em Preto e Branco; Melhor Fotografia em Preto e Branco; Melhor Figurino em Preto e Branco; Melhor Mixagem de Som.
A Cor Púrpura (1985)
O belíssimo A Cor Púrpura é a adaptação mais famosa do livro de mesmo nome escrito por Alice Walker, autora bissexual (que, inclusive, manteve um relacionamento discreto com a cantora Tracy Chapman). O filme é um conto sensível e dilacerante sobre as opressões de raça, classe e gênero que pautam a vida de Celie, uma adolescente negra que acompanhamos crescer (até chegar a uma versão adulta interpretada por Whoopi Goldberg).
Se Celie sobrevive aos sofrimentos que são impostos a ela, é graças às mulheres de sua vida — sendo uma delas Shug Avery (Margaret Avery), uma amiga que, com o passar do tempo, se torna sua amante.
Embora o livro seja claro sobre a natureza sexual e afetiva do relacionamento entre Celie e Shug (e, inclusive, atribua uma importância central ao prazer que ambas descobrem no sexo), o filme prefere seguir outro caminho e atenuar a relação das duas até o campo da discrição. A decisão foi tomada pelo diretor, Steven Spielberg, para manter a classificação indicativa PG-13 (ou seja, liberada para maiores de 13 anos) e não prejudicar o desempenho comercial da obra.
Indicações ao Oscar: Melhor Filme; Melhor Atriz (Whoopi Goldberg); Melhor Atriz Coadjuvante (com indicação dupla para Margaret Avery e Oprah Winfrey); Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Direção de Arte; Melhor Fotografia; Melhor Figurino; Melhor Maquiagem; Melhor Canção Original; Melhor Trilha Sonora Original.
As Horas (2002)
Muito antes de Vita & Virginia (2018), a escritora britânica ganhou uma versão cinematográfica que ficou a cargo da interpretação de Nicole Kidman e da direção de Stephen Daldry. As Horas, que também conta com Allison Janney, Julianne Moore e Meryl Streep no elenco, narra a história de três mulheres em diferentes períodos históricos que têm suas existências conectadas por Mrs Dalloway, romance publicado por Virginia na década de 1920.
Embora não se aprofunde em relacionamentos e definições claras de sexualidade, o filme propõe um comentário importante sobre heteronormatividade e o peso de expectativas sociais criadas por papéis de gênero.
Indicações ao Oscar: Melhor Filme; Melhor Direção; Melhor Ator Coadjuvante (Ed Harris); Melhor Atriz Coadjuvante (Julianne Moore); Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Figurino; Melhor Montagem; Melhor Trilha Sonora Original
Vitórias: Melhor Atriz (Nicole Kidman)
Monster (2003)
Está aí um filme que não é a melhor recomendação para quem busca por romances bonitos e leves com finais felizes, mas talvez uma excelente indicação para as entusiastas de Killing Eve e Eu Me Importo (2020). Monster é baseado em fatos reais e conta a história de Aileen Wuornos, serial killer condenada à morte por assassinar 7 homens após uma vida de abusos sexuais.
Na adaptação do caso para o cinema, Wuornos é interpretada por Charlize Theron, que ganhou um Oscar pelo papel. Já Christina Ricci dá vida a Selby, namorada que Aileen conhece em um bar LGBT (eita povo animado!). É o primeiro filme desta lista dirigido por uma mulher — Patty Jenkins, conhecida pelo trabalho nos filmes da Mulher-Maravilha. Com a brutalidade gráfica que o roteiro pede, não é uma experiência fácil para quem tem o estômago mais fraco e o coração sensível.
Indicação ao Oscar e vitória: Melhor Atriz (Charlize Theron).
Minhas Mães e Meu Pai (2010)
O controverso Minhas Mães e Meu Pai é, surpreendentemente, o único indicado ao Oscar sáfico dirigido por uma mulher abertamente lésbica. A polêmica que cerca o filme fica óbvia logo na sinopse. Jules (Julianne Moore) e Nic (Annette Bening) são um casal que vive na Califórnia com seus dois filhos, ambos concebidos por inseminações artificiais com um doador anônimo como genitor das crianças. Quando a filha mais velha, Joni (Mia Wasikowska) chega à maioridade, os adolescentes decidem procurar pelo “pai” biológico (interpretado por Mark Ruffalo). Até aí, tudo bem.
Obviamente, a chegada do novo integrante abala a dinâmica familiar. A problemática é que, a certa altura, Jules começa a ter um caso com ele. Entre tantos conflitos possíveis, é frustrante e anticlimático que a escolha dramática de Lisa Cholodenko (que dirigiu e escreveu o longa) seja o lugar comum do triângulo amoroso com um homem, banalizado nos relacionamentos ficcionais entre mulheres. O roteiro também imprime um certo apagamento bissexual que, embora relativizado em 2010, envelheceu como leite.
Indicações ao Oscar: Melhor Filme; Melhor Atriz (Annette Bening); Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo); Melhor Roteiro Original.
Carol (2015)
Sim, um dos queridinhos da comunidade sáfica foi a primeira representação lésbica minimamente saudável a ganhar lugar na festa da firma de Hollywood. A adaptação do livro de Patricia Highsmith acompanha Therese (Rooney Mara), jovem funcionária de uma loja de departamentos, e Carol (Cate Blanchett), ricaça melancólica e enigmática que visita o setor de brinquedos do estabelecimento para comprar um presente de Natal. Cada uma à sua maneira, ambas estão presas e desesperançosas em suas próprias vidas, limitadas pelo que se espera de uma mulher na década de 50.
A campanha do filme para o Oscar deixou a gente sonhar. Ao longo da estrada até a estatueta dourada, a produção arrematou outras conquistas muito importantes no calendário da temporada, incluindo vitórias no Festival de Cannes e uma enxurrada de indicações a prêmios grandes, como o BAFTA e o Globo de Ouro (que ainda mantinha alguma credibilidade na época), e às premiações de sindicatos e críticos dos Estados Unidos, utilizadas como termômetro para definir os oscarizados em potencial. Não adiantou: nosso conto natalino preferido até angariou 6 indicações, mas saiu do Dolby Theatre de mãos abanando.
Indicações ao Oscar: Melhor Atriz (Cate Blanchett); Melhor Atriz Coadjuvante (Rooney Mara); Melhor Fotografia; Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Trilha Sonora Original; Melhor Figurino
A Favorita (2018)
A Favorita não é um filme sobre amor romântico, mas sim, sobre disputas de poder onde o sexo e a confiança desempenham um papel primordial. Entre os muitos elementos que transformam o filme em uma experiência deliciosa, estão o sarcasmo afiado e a química estrondosa entre as protagonistas, interpretadas por três gigantes da atuação: Rachel Weisz, Emma Stone e Olivia Colman.
O longa de Yorgos Lanthimos narra uma versão romantizada da história de Anne, primeira rainha da Grã-Bretanha. Entre os (inúmeros) desafios de seu breve reinado, estiveram a disputa na arena política entre liberais e conservadores, sua dificuldade para gerar um filho que pudesse herdar sua linhagem, e, é claro, o desconforto generalizado de aliados e inimigos com suas favoritas na corte: Sarah e Abigail, que atuaram como conselheiras diretas de Anne em assuntos políticos e competiram entre si pelo posto de favorita suprema da rainha, se é que me entende.
Como era de se esperar, o filme arrematou nove indicações ao Oscar, mas só levou a estatueta de Melhor Atriz, que ficou com Olivia Colman.
Indicações ao Oscar: Melhor Filme; Melhor Direção; Melhor Atriz Coadjuvante (com indicação dupla para Emma Stone e Rachel Weisz); Melhor Roteiro Original; Melhor Fotografia; Melhor Figurino; Melhor Montagem; Melhor Design de Produção
Vitórias: Melhor Atriz (Olivia Colman).
Polêmica: é sáfico ou não?
O que faz um indicado ao Oscar ser sáfico ou não? Qual é a linha que separa um beijo isolado em uma cena como expressão de algum desejo não necessariamente sexual das personagens (como acontece em Cisne Negro, Vicky Cristina Barcelona ou Garota, Interrompida, por exemplo) de um filme inteiro que se limita a olhares e insinuações? A resposta é: o contexto.
Aqui, separamos filmes que são lidos por uma boa fatia do público e da crítica como representações de mulheres que se sentem atraídas por mulheres, ainda que exista algum debate sobre isso. Como é da natureza do cinema, a interpretação da real intenção de cada obra fica a critério de cada um.
Rebecca (1940)
A interpretação sáfica de Rebecca, suspense dirigido por ninguém menos que Alfred Hitchcock, recai na confusão entre desejo e obsessão. O longa conta a história de uma jovem anônima (Joan Fontaine) que embarca num casamento com um viúvo rico. Ao chegar em sua nova casa, no entanto, a garota descobre uma resistência generalizada à sua presença. Ela logo conclui que Rebecca, falecida esposa de seu marido, deixou assuntos mal resolvidos por toda parte.
Uma das pessoas que parece não ter superado Rebecca é a governanta da família, Senhora Danvers (Judith Anderson), que se revela um pouco obcecada pela antiga patroa. Embora tudo seja muito discreto, é sugerido que a afeição da funcionária cruza o limite de uma mera relação de amizade.
Indicações ao Oscar: Melhor Direção; Melhor Ator (Laurence Olivier); Melhor Atriz (Joan Fontaine); Melhor Atriz Coadjuvante (Judith Anderson); Melhor Roteiro; Melhor Direção de Arte em Preto e Branco); Melhores Efeitos Especiais; Melhor Edição; Melhor Trilha Sonora.
Vitórias: Melhor Filme e Melhor Fotografia em Preto e Branco.
Tomates Verdes Fritos (1991)
Uma geração inteira de lésbicas e bissexuais guarda esse filme na memória com carinho. Isso porque mesmo sem que as personagens verbalizem que são um casal em nenhum momento, toda a atmosfera do enredo é construída como a de uma grande paixão.
Tomates Verdes Fritos narra a amizade de duas garotas, Idgie (Mary Stuart Masterson) e Ruth (Mary-Louise Parker), que nasce do luto, quando ambas perdem um amor em comum. Ao longo dos anos, a dupla atravessa várias dificuldades econômicas e sociais, servindo como rede de apoio uma da outra. As duas abrem um restaurante, vão morar na mesma casa e até criam um bebê juntas, tudo com aquela linguagem visual típica de uma comédia romântica. Na prática, nenhum ponto do roteiro menciona explicitamente que seja mais do que #amizade.
Indicações ao Oscar: Melhor Atriz Coadjuvante (Jessica Tandy) e Melhor Roteiro Adaptado
Mulholland Drive (2001)
Se você já se apaixonou por uma mulher, provavelmente vai ser difícil não ler o filmaço surrealista de David Lynch como um grande thriller psicológico sobre amor não correspondido. No entanto, como uma boa história contada por meio de imagens sobre inconsciente e fantasia, não existem definições fechadas e absolutas que entreguem um único significado por trás do longa. Os clichês, estereótipos e aquele gosto pela tragédia que a gente já conhece bem, contudo, dão o tom que nós precisamos para bater o martelo de que é sobre romance sáfico sim e acabou.
O filme retrata Betty (Naomi Watts), uma aspirante a atriz que chega a Califórnia e logo assiste seu destino se cruzar com o de Rita (Laura Harring), uma mulher que perdeu a memória em um acidente de carro numa estrada chamada Mulholland Drive e, ao que tudo indica, acabou de escapar de uma tentativa de homicídio. A partir daí, o quebra-cabeça que compõe Rita só se torna mais complicado a cada instante.
Indicação ao Oscar: Melhor Direção.