Por Laura Magro
Tive que passar alguns dias absorvendo tudo o que eu tinha acabado de assistir antes de escrever esta crítica — e é exatamente por isso que ela só está saindo agora.
Eu realmente não tenho palavras para descrever o que é ClaireBell. Não é à toa que a série venceu como Série do Ano e Casal do Ano no Top Lesbocine e é amplamente aclamada por quem a assiste.
A trama acompanha Bell, interpretada por Pangjie Paphavarin Sawasdiwech, uma jovem estudante que é presa injustamente por posse de drogas e passa a lidar com sua nova realidade dentro de um presídio feminino. É lá que ela conhece Claire, vivida por Mable Siriwalee Siriwibool, uma detenta presa por assassnato, cujo passado carrega camadas de mistério.
ClaireBell é uma verdadeira aula do que é fazer audiovisual lésbico de qualidade em absolutamente todos os quesitos. A fotografia é belíssima. Acredito que, entre os GLs e até mesmo entre séries sáficas de forma geral, seja uma das melhores fotografias — se não a melhor. Outro ponto que se destaca muito é a montagem, que em diversos momentos contrapõe cenas de maneira extremamente inteligente. Um exemplo marcante é a cena de sexo de Claire e Bell na biblioteca, intercalada com imagens das duas correndo pelo gramado. Ou ainda no último episódio, quando Kae provoca Claire enquanto vemos flashbacks dos momentos de Claire e Bell na prisão. É uma montagem que nos provoca a sentir exatamente o que as personagens estão sentindo: paixão, tristeza, raiva, desejo.
A trilha sonora também merece destaque. Profundamente emocionante, ela atua de forma sutil, conduzindo o espectador para dentro desse universo e fazendo com que a imersão na história seja quase inevitável.
Mas, definitivamente, o ponto alto de ClaireBell está no roteiro e na direção. A série se destaca pela sensibilidade ao retratar a vivência em um presídio feminino, mas vai muito além disso ao mostrar as nuances das relações construídas ali dentro e como o afeto — ou a ausência dele — se torna um fator determinante para aquelas mulheres, que acabam encarando a prisão quase como uma realidade paralela.

O roteiro acerta em cheio ao conseguir construir, desenvolver e aprofundar todos os núcleos que se propõe a apresentar — e não são poucos. Mesmo com muitas histórias acontecendo simultaneamente, nunca fica a sensação de que tudo está sendo jogado de forma apressada. Pelo contrário: acompanhamos cada arco com calma, aos poucos, e vamos nos sentindo parte daquele universo, como se estivéssemos dentro da prisão junto com elas.
Essa sensação também se dá pelo modo como tudo é apresentado ao espectador: como se fôssemos a Bell — inocentes, sem nunca ter vivido aquela realidade — e, de repente, fôssemos jogados dentro de uma prisão, obrigados a lidar com mulheres que cometeram crimes. Por isso, as cenas são cruas, explícitas e, muitas vezes, desconfortáveis. Elas chocam porque precisam chocar. Precisam fazer a gente sentir o que a Bell está sentindo.
Outro grande acerto de ClaireBell é a forma como humaniza suas detentas — não de maneira romantizada, mas honesta. São mulheres que erram e acertam, que sofrem e amam, que sentem medo, raiva, desejo e esperança. Mulheres que querem viver e que são muito mais do que os crimes que cometeram. O roteiro e a direção deixam claro como o ambiente prisional, muitas vezes, condiciona essas mulheres a acreditarem que aquele é o único destino possível, que elas não merecem mais do que aquilo.
É especialmente interessante acompanhar a evolução das irmãs 3D. No início, elas se importam apenas com o poder dentro da prisão, custe o que custar. Ao longo da série, no entanto, entendem que o afeto entre elas e com aqueles que amam — como Dao com seu filho e DeeDee com o Porsche — é mais importante do que “mandar” no presídio. Esse afeto é o que devolve a elas a esperança de uma vida fora dali. É o que as faz compreender que seus erros não as definem e que é possível reescrever a própria história, aprendendo com o passado para transformar o futuro.
Em paralelo, vemos a trajetória de Kae, que segue quase pelo caminho oposto. No início, ela é apenas mais uma detenta, aparentemente doce e simpática. Com o passar do tempo, essa máscara vai caindo, revelando alguém genuinamente má — algo que provavelmente sempre esteve ali, mas era muito bem escondido. A atuação da Belle Khemisara merece destaque: a construção da personagem é impecável, feita de forma gradual e sutil, sem jamais soar forçada ou óbvia. O ponto de virada definitivo acontece quando Kae permite que suas capangas batam em Bell. Ali, qualquer resquício de cuidado ou respeito é completamente engolido pelo egoísmo, pelo ciúme e pela obsessão.

Como Ícaro, Kae voa perto demais do sol e acaba caindo. Cegada pelo poder, acredita não ter nada a perder — apenas a ganhar — sem se importar com as consequências de seus atos na vida daqueles que machuca. O que ela não percebe é que, apesar de parecer não ter ninguém, ainda havia algo a perder: sua dignidade. Ao final da série, Kae termina espancada, destituída de poder, isolada e sem relações. Torna-se alguém por quem ninguém se importa. A falta de afeto a faz sucumbir à lógica do presídio e seguir exatamente o que o sistema espera das detentas: um ciclo vicioso de violência.
E o que dizer do casal principal? ClaireBell entrega química, romance, desenvolvimento, cenas de sexo lindíssimas, drama na medida certa e lealdade — entrega tudo. É bonito ver como Claire e Bell se completam. Bell devolve à Claire uma visão de futuro que ela havia abandonado ao assumir a culpa pelo assassinato do agressor de sua mãe. Já Claire ensina Bell a se impor, a não abaixar a cabeça e a não permitir que passem por cima dela.
O afeto entre Claire e Bell é o que as motiva a sobreviver a essa realidade difícil. É o que lhes devolve a esperança de que nem tudo está perdido. Isso se torna ainda mais potente quando lembramos que Bell perdeu a pessoa que mais amava, enquanto Claire abriu mão de estar ao lado da própria irmã em troca de protegê-la. Duas mulheres arrancadas, à força, de suas relações mais importantes encontram uma na outra apoio, cuidado, carinho, amor. Um refúgio. Uma fuga possível de toda a violência que são obrigadas a enfrentar naquele ambiente.

E, sinceramente, eu não poderia pedir por um final melhor do que ver Bell esperando, por três longos anos, até Claire sair da prisão — e estar lá para buscá-la. Agora, resta a expectativa pelo episódio especial, para ver como o casal lida com a vida fora do encarceramento. Na verdade, não seria exagero desejar até mesmo uma segunda temporada, ainda que reduzida. Afinal, uma das dimensões mais importantes de narrativas sobre o sistema prisional é justamente a ressocialização: o estigma enfrentado por ex-detentas, a dificuldade de retomar a vida com normalidade, a escassez de oportunidades e o peso social do passado.
São debates complexos, urgentes e profundos — e que eu adoraria ver explorados por uma produção tão cuidadosa e sensível quanto ClaireBell. Obrigada a Davika e a todos os envolvidos por nos entregarem essa obra-prima que tive o prazer de assistir.
Foto em destaque: Reprodução/Mine Media