A maternidade e a paternidade para casais homoafetivos representam uma expressão poderosa do amor e da responsabilidade parental. Esses casais enfrentam desafios específicos, como barreiras legais, estigmatização social e falta de reconhecimento em alguns contextos. No entanto, eles também demonstram uma dedicação excepcional em criar um ambiente amoroso e seguro para seus filhos, muitas vezes superando obstáculos com resiliência. Nós último anos, percebemos uma crescente de famílias que decidem falar sobre esse tema através das redes sociais, como a Maíra Donnici, para trazer visibilidade para maternidade e a paternidade para casais homoafetivos.
Por isso, convidamos Maíra Donnici, que é jornalista, documentarista e defensora da diversidade e inclusão, para falar sobre sua história e sua família. Hoje, Donnici desempenha um papel fundamental na promoção da compreensão e aceitação da maternidade e paternidade para casais homoafetivos, compartilhando sua história e perspectiva para desafiar estereótipos e preconceitos, destacando a dedicação amorosa que casais homoafetivos demonstram na criação de suas famílias, mesmo diante de obstáculos e discriminação.
Como foi o processo de autodescoberta em relação à sua sexualidade? Quando você percebeu ou compreendeu sua orientação sexual?
Foi tudo muito lento e sofrido. Fui criada para ser heterossexual. Nem me atentava para a possibilidade de desejar mulheres. E, confesso, demorei até mesmo para perceber que me sentia atraída sexualmente por mulheres, porque não enxergava isso como algo possível. Até mesmo quando me apaixonei por uma mulher, aos 24 anos, demorei a perceber que era algo sexual. Quando aconteceu, pensava que seria apenas com ela. Levou tempo para eu entender que gostava de homens e de mulheres.
Em uma sociedade heteronormativa, é comum existir pressão para se assumir publicamente. Como foi lidar com essa pressão em relação à sua família, amigos e/ou trabalho? E como isso afetou sua vida?
Com homens sempre foi fácil. Era o que todo mundo queria pra mim, não havia problema algum. Era um trunfo. Com mulheres eu sentia vergonha, a família impunha muitas barreiras, no trabalho nem pensar. Com certeza isso afetou a minha vida. Viver vida dupla e não poder ser quem eu era, me afetou muito profundamente. Me sentia desamparada e sem estrutura. Foi dolorido demais. Só consegui assumir publicamente quando encontrei a minha mulher, com quem estou casada há sete anos. É triste, porque vivi outras experiências com mulheres e não pude experimentar a libertação em toda a sua plenitude.
Quando uma pessoa da comunidade LGBTQ+ se assume, é comum que surjam questionamentos sobre casamento e formação de família. Infelizmente, algumas pessoas consideram esse desejo como algo errado e muitas vezes nos sentimos indignos de sonhar com uma família. Como você lidou com os sentimentos de dúvida e insegurança em relação à formação de uma família como pessoa LGBTQ+?
Eu acho que formar uma família não deveria ser obrigação pra ninguém. Isso também é um mecanismo social compulsório. Quanto a mim, sempre quis ter filhos e pude realizar esse projeto com a minha mulher.
Como você lida com as reações sociedade em relação à sua maternidade? Você encontrou suporte em sua comunidade ou em outros pais/mães LGBTQ+?
Sou uma mulher bissexual em um relacionamento lésbico e vivo a dupla maternidade. Amo ser mãe com outra mãe. Não há nada que me faça sentir mais satisfeita. Quando nos tornamos mães, não tínhamos muito contato com famílias com a mesma configuração, mas fomos encontrando pessoas incríveis pelo caminho.
Você acredita que a sociedade está progredindo em relação à aceitação de famílias lideradas por pais/mães LGBTQ+? Quais mudanças você gostaria de ver para promover uma maior inclusão e apoio?
Me considero uma mulher privilegiada – sou branca e tenho uma situação socioeconômica favorável. Acredito que isso me dá voz para demandar respeito e inclusão. Mas é isso: sempre uma demanda. Nunca vem naturalmente. Sinto que precisamos sempre nos posicionar e usar nosso privilégio para exigir mais inclusão. Não vejo pessoas heterossexuais tomando nossa causa como uma bandeira imprescindível. Respeitam, mas não exigem mudanças.
Qual é a importância de compartilhar histórias de maternidade LGBTQ+ nas redes socias? Como você acredita que isso pode ajudar a educar e promover a aceitação em geral?
Hoje temos grandes amigas e amigos que vieram da rede social. Talvez, se eu não expusesse a minha história ali, eu nunca cruzaria com essas pessoas. Além disso, a luta fica mais forte. E é bom também para mostrar que somos uma família, fazemos programas como qualquer, sem esquecer de mencionar nossas dores e lutas.
Em sua opinião, qual é o papel da internet e das redes sociais na promoção da visibilidade e aceitação da diversidade sexual?
A internet é sempre uma via de mão dupla. Um lugar de convergência e divergência ideológica. Eu não arredo o pé: sou visível e tenho orgulho. Vou passando na timeline dos outros assim, com a minha família maravilhosa e meus textos que incomodam muitas vezes, eu sei. Prós e contras.
Como você equilibra a maternidade com outros aspectos de sua vida, como carreira e autoidentidade? Você teve que enfrentar desafios específicos nessa conciliação?
A maternidade pra mim foi um enfrentamento e um livramento. Vivi o luto de uma pessoa que nunca mais seria, aprendi a conviver com outra e ser ainda melhor. Sei que não seria possível sem a parceria com a minha mulher, que divide tudo, absolutamente. Demorei para conseguir me enxergar como uma mulher potente e desejável novamente. Mas acredito que toda transição tem questões mesmo. Quando voltei a trabalhar, foi um mundo que se abriu novamente. Me senti eu de novo. Com o tempo, o sono foi menos privado, a vida profissional foi ganhando mais força e conciliar maternidade com trabalho passou a ser um desafio gratificante – isso porque tenho uma parceira que divide absolutamente tudo comigo e ainda temos a possibilidade de ter rede de apoio, que pra nós é fundamental. Hoje sou mais eu do que nunca.
Qual é o legado que você espera deixar ao construir uma família como pessoa LGBTQ+? Como você acredita que essa experiência pode impactar positivamente a sociedade em geral?
Sou uma militante incansável da parentalidade igualitária, não importa o gênero. E também da luta por menos estereótipos de gênero na criação das crianças e no papel dos responsáveis. Onde estou, estou lutando pela diversidade e pela mudança de padrões sociais, tanto na internet quanto nos pequenos universos que habito. Imagino que isso já seja um legado…
Se você pudesse dar um conselho para si mesma quando estava lidando com o medo em relação à sua sexualidade, qual seria?
Vai, experimenta, aproveita. E não se esqueça nunca: você não está fazendo nada de errado.