“Bem-Vinda de Volta”: Entrevista com as atrizes Christiane Fogaça e Mayana Neiva

Entretenimento Entrevista

Dirigido e roteirizado por Nicole Gullane, o curta-metragem “Bem-Vinda de Volta” é protagonizado por Mayana Neiva e Christiane Fogaça, que também é idealizadora do projeto. Depois de muitos anos afastada de sua mãe, Marcela tomou a decisão de retornar à casa de sua família para compartilhar uma notícia importante: ela e sua namorada, Bianca, planejam se casar. Ao chegar lá, Marcela se depara com uma série de surpresas, incluindo a presença de outros membros da família e memórias que ela havia reprimido por anos. O dia se desenrola de forma intensa, com Bianca fazendo descobertas sobre o passado de Marcela e conversas inesperadas ocorrendo. No entanto, ao final do dia, essas experiências apenas fortalecem o vínculo entre Marcela e sua noiva, bem como sua relação com sua mãe e, acima de tudo, com ela mesma.

Recentemente, o curta brasileiro foi selecionado para participar do Los Angeles Brazilian Film Festival.Por isso, batemos um papo com Christiane Fogaça e Mayana Neiva sobre o processo criativo de “Bem-Vinda de Volta”.

Foto: Henrique Hennies

Como vocês se prepararam para interpretar os seus personagens? Qual foi o processo de se conectar com a jornada emocional delas, considerando a tensão entre Marcela e sua família?

Christiane: A Bianca tem muita semelhança com a minha vida. Quando eu recebi a última versão do roteiro e a narrativa se desenrolava a partir de um almoço familiar, me recordei de um almoço em que conheci a família da minha ex. Mas, tivemos nossos preparadores, Alexandre e Carol, que nos acompanharam durante os ensaios e foram fundamentais para a conexão entre as personagens Bianca e Marcela. Para transparecer, através dos olhares, o amor que elas sentem uma pela outra. A primeira visita, a reação família de alguém que você está se relacionando, sempre gera uma insegurança e um frio na barriga. Nos ensaios encontramos os a sinergia dos olhares entre Bianca e Marcela para superar qualquer tipo de tensão nas cenas com a família e dali as personagens fluíram.

Mayana: A gente fez uma preparação de muito tempo, a gente trabalhou o roteiro, a gente sentou juntas, a gente se perguntou como aquele roteiro tocava a gente. A gente viveu várias mudanças nesse roteiro, até chegar na versão final. Depois que a gente tinha a versão final, a Nicole sempre muito aberta para as nossas contribuições. A gente teve duas preparadoras de elenco maravilhosas, que fizeram um trabalho super bonito também, para trazer reações mais orgânicas para uma história que já, de alguma maneira já estava trabalhando ela numa parte intelectual. Então foi bem legal. Foi bem especial ter tido um time de mulheres também, que eram muito abertas na parte de roteiro quanto na parte de preparação de atuação. Isso fez toda a diferença para a gente se sentir livre no set, sabendo o que fazer e aberta para o que viesse.

As conversas familiares desempenham um papel importante no filme. Como vocês acreditam que essas conversas impactaram o desenvolvimento das personagens e a narrativa como um todo?

Christiane: A Marcela vai ao encontro dos familiares imaginando que vai enfrentar muitas perguntas, algumas repletas de preconceito. Além do medo da ruptura, de ser expulsa da família. Porém, ela percebe que encarar o medo de contar à mãe que ama uma mulher e vai se casar ela é na verdade uma libertação e ao final sente um alívio imenso. Quando resolvi contar à minha mãe que estava apaixonada por uma mulher, não sabia como dizer isso. Tinha uma amiga que até ofereceu a mãe dela para conversar com a minha mãe. E quando contei, tirei tanto peso, tanta angústia que carreguei sozinha durante anos, os mesmos sentimentos que a Marcela encontrou ao se abrir para a família.

Mayana: A família é a base de tudo. A família é a base de traumas muitas vezes, muito intensos, vividos por uma grande parte das pessoas LGBTQIA+. E também é a base de cura disso. E acho que isso foi uma plataforma para a gente entender também as questões e tensões psicológicas que a Marcela enfrentava. A reação da família em relação a ela e as escolhas dela pautaram toda a psique dela, até a história até o momento do filme. Então, com certeza. E a gente queria também fazer com que esse filme não fosse só um filme panfletário no sentido de falar sobre a questão, batendo mais uma vez no tema, mas no quanto a aceitação da família, no quanto essa parte delicada psicológica, às vezes não dita, que fica embaixo da pele, promove assim o bem-estar e a saúde mental das pessoas como um todo ou o contrário. Então, com certeza teve um papel bem importante.

O curta aborda a reunião de Marcela com sua família após anos de afastamento. Como vocês acreditam que essa experiência impactou a dinâmica das suas personagens?

Christiane: Meu trabalho com os preparadores do elenco foi construir uma narrativa da minha personagem, a Bianca, que não é mostrada (mas ela também tem família). Nessa história os pais da Bianca sempre acolheram a Marcela, por isso essa segurança da Bianca com a Marcela e, ao contrário, essa insegurança da Marcela com a família ao apresentar a noiva. Marcela aparenta não ter nem intimidade com a própria família, porque ela convivia mais com os pais da Bianca. Essa preparação foi fundamental na construção complexa dessa personagem.

Mayana: A grande marca da história da Marcela é o julgamento da família, em especial da mãe. Ela se faz enquanto identidade a partir desse julgamento em relação a ele. Então, ele é o fundador de quem ela é, tanto que o nome “Bem-vinda de volta”, ele é uma cura, ele é uma reinvenção. Ela tem muito mais paz para seguir sendo quem ela é e quem ela sempre quis ser, parte do momento em que ela se sente bem-vinda. Então, é fundamental.

Qual cena do filme vocês acharam mais desafiadora de filmar?

Christiane: A cena da cama, pois eu acho que ali mostra todo o afeto entre elas, e é uma cena tão natural e acolhedora . Eu acho a cena mais poética. Meu medo era de ter rejeição, de acharem que as personagens não combinam, mas ao contrário, ouço muitos feedbacks sobre a como imprimimos a veracidade do amor entre a Marcela e Bianca, sobre a empatia do público com a história.

Mayana: A família, onde tinha uma cena do jantar. Que eu acho que dependia de muitas pessoas desse subtexto, fica muito claro para todo mundo. E acho que foi uma cena muito bem executada, que a gente ri bastante. Enfim, sensibiliza e entende a visão daquela família, daquela situação, diante daquela situação. Então, eu acho que era a mais desafiadora e acho que foi executada muito bem.

Como vocês se sentem assistindo a esse curta com um público que por muitas vezes passa pelas mesmas vivências das suas personagens.

Christiane: Eu levei 10 anos para realizar esse filme. Ainda mais por ser lésbico, sem lei de incentivo. Foi uma luta que venci e, fazer chegar ao grande público, especialmente para mulheres que vivenciam o preconceito e a não aceitação familiar, é uma realização. Somos carentes de produções lésbicas e LGBTQ+. Hoje o filme segue pelo circuito de festivais, mas organizar pequenas sessões para mulheres, como foi no Bar Das, tem trazido momentos muito especiais e emocionantes. Foi a primeira vez que tivemos uma sessão de mulher para mulher (risos) . Ainda quero rodar muito fazendo essas sessões que levantam questões sobre preconceito e levam as pessoas a refletir.

Mayana: Eu acho que o curta foi feito por mulheres que passaram por essas questões. O filme é feito quase que 98% por mulheres. E a maioria significativa delas vivenciou essas situações. Então, a gente se sente representado de um espelho autêntico, é tudo. E acho que a gente vive em um tempo onde essas histórias precisam ser escutadas do ponto de vista humano e sensível e não só do ponto de vista de cota, espaço, tem que ter essa temática. É uma temática humana, necessária e urgente. E atravessar a tela, encontrar público que é capaz de acolher essas narrativas, que entende essas lutas, é fazer com que esse filme expanda a razão pela qual ele existiu. Quer dar acolhimento, quer dar aconchego a essa luta.

Qual mensagem ou reflexão vocês esperam que os espectadores levem consigo após assistir a “Bem-vinda de Volta”?

Christiane: Não tenha medo de ser quem você é. Ter coragem de auto aceitar sua identidade e viver ela da maneira mais afetuosa seja lá com quem estiver. O Amor é livre. Viva o amor.

Mayana: Eu espero que as pessoas recebam essa história com o coração aberto. Entendam que ela é muito mais comum do que a gente imagina. E que a gente não tem ideia do impacto que vai ter no outro quando a gente vai e julga o outro. Qualquer outro que seja. Então eu acho que a ideia é se manter o mais livre possível quanto ao julgamento. E se abrir para a verdade diferente das nossas.

Assista ao trailer:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *