Nas redes sociais, é perceptível o crescimento da cultura “anti-woke”. Se os anos 2010 foram marcados por um forte movimento de militância a favor da diversidade, do feminismo e da luta por direitos iguais, a década seguinte chegou com uma onda de conservadorismo entre os jovens que, segundo especialistas, veio para ficar.
O termo “woke” surgiu do movimento de luta por igualdade racial nos Estados Unidos em meados do século 20, com o significado de “estar acordado” ou consciente das lutas e pautas sociais. O movimento “anti-woke”, por sua vez, tem usado a expressão de forma pejorativa para questionar a relevância das causas sociais. No mundo corporativo, essa percepção aparece com a tendência das grandes empresas – entre elas, McDonald’s, Ford, Meta, Walmart – em rever suas políticas e estratégias para evitar polêmicas, principalmente após a eleição do presidente estadunidense Donald Trump.
A segunda vitória eleitoral de Trump evidenciou de vez a intensificação do conservadorismo, levando uma parcela significativa da juventude a se revelar a favor do movimento. Nas publicações feitas por esses mesmos jovens na internet, é possível encontrar numerosos vídeos com críticas a respeito do comportamento e vestimenta de mulheres, termos pejorativos utilizados para satirizar pautas sociais e usuários declarando-se abertamente intolerantes a minorias; e apesar de se manter em aspecto mais velado em contexto formal, essa mudança de posicionamento não se limita ao ambiente digital. A eleição do republicano também acelerou mudanças culturais significativas em empresas multinacionais, que cederam às pressões da ofensiva conservadora e passaram a abandonar políticas de diversidade. As companhias, que uma vez haviam implementado treinamentos para identificar vieses discriminatórios e passado a adotar critérios de diversidade para contratação e promoção de funcionários, estão agora recuando em seus compromissos com a inclusão para evitar possíveis complicações políticas.
“O recuo vem após o aumento de processos judiciais e de campanhas online de conservadores, que alegam sofrer discriminação reversa”, afirmou a jornalista Laura Kabelka na DW Brasil. Nas empresas, há um aumento de reclamações por parte de funcionários alegando exclusão de programas de desenvolvimento profissional por não fazerem parte de minorias. Para elucidar, a jornalista citou o Fearless Fund, uma iniciativa voltada a apoiar negócios conduzidos por grupos marginalizados, que anunciou em setembro o encerramento definitivo de seu programa de bolsas destinado a mulheres negras. A decisão fez parte de um acordo firmado com um grupo de conservadores liderados pelo ativista Edward Blum, afirmando que o programa violava a Lei de Direitos Civis de 1866 por supostamente discriminar pessoas com base em critérios raciais.
No Brasil, temos situações semelhantes acontecendo. O empresário Luciano Hang, proprietário da Havan e aliado político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), recentemente divulgou um vídeo em suas redes sociais declarando que, em sua opinião, o desempenho profissional deve ser o único fator considerado nos processos de contratação e promoção dentro da empresa. Lígia Maura Costa, professora da Fundação Getúlio Vargas, aponta que o enfraquecimento das políticas de diversidade nas empresas pode chegar ao Brasil como uma espécie de “maré”, impulsionada pela pressão de investidores. Segundo ela, contudo, muitas empresas ignoram o valor que tais iniciativas podem gerar. Ela alerta que essa mudança de postura pode trazer prejuízos a longo prazo. Lígia também questiona o quão autêntico era o compromisso das organizações com a diversidade: “O que estamos vendo agora pode ser um teste para entender até que ponto as organizações realmente acreditavam nessas iniciativas. Será que era uma crença genuína ou apenas uma tendência passageira?”, instiga.
Na prática, esse movimento ameaça o bem-estar e estabilidade financeira das minorias, tanto nos EUA, quanto no Brasil. O abandono das políticas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) representa não só uma vulnerabilidade em relação à empregabilidade e oferta de vagas afirmativas, mas também impacta diretamente na segurança das minorias. Organizações independentes e não governamentais voltadas para a proteção dos direitos da comunidade LGBTQIAP+, como a Casa 1, já relataram prejuízos significativos em seu funcionamento em decorrência da interrupção de apoio financeiro por parte de empresas norte-americanas, após a eleição de Trump.
Apesar das perspectivas positivas – 56% das empresas brasileiras afirmam esperar um aumento da demanda por demonstração de resultados em DEI a partir de 2026, segundo a Meio & Mensagem – a repercussão do movimento conservador nos EUA ainda preocupa a realidade das minorias no Brasil. “Estamos vivendo um tempo difícil em que empresas estão sendo proibidas de manter programas de diversidade, equidade e inclusão por ordem da matriz ou da regional com sede nos Estados Unidos”, declarou Reinaldo Bulgarelli, secretário-executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. “O governo Trump criminalizou a diversidade, e até mesmo companhias com matriz em outros países estão recuando com receio de perder contratos com organizações do estado americano.”
O retrocesso abre margem para discussões acerca das reais preocupações das empresas em relação à segurança da comunidade LGBTQIAP+ brasileira. Cabe refletir quais posturas os maiores nomes do mercado estão adotando para realmente garantir inclusão em suas culturas no restante do ano, e não somente no mês do orgulho.
Diante desse cenário, é fundamental manter a vigilância de nossos arredores a fim de prezar pela segurança da comunidade. A Lei nº 7.716/1989 (Lei do Racismo) determina que a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável, com pena prevista de de um a três anos de reclusão e multa para quem incorrer nessa conduta, e que deve ser denunciado no Disque Direitos Humanos – Disque 100. O serviço funciona 24 horas por dia, em dias de semana e também aos sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil de forma gratuita, bastando discar 100.