Por Julia Viana
O surgimento e reconhecimento de diretoras lésbicas no cenário cinematográfico têm desempenhado um papel vital na promoção da representatividade autêntica e na amplificação das narrativas lésbicas. Essas cineastas não apenas trazem suas perspectivas únicas para a tela, mas também desafiam as normas tradicionais de storytelling, oferecendo uma visão fresca e inovadora. Por isso, destacamos cinco diretoras lésbicas que contribuiram não apenas para a diversidade de histórias contadas, mas também para a evolução do próprio meio cinematográfico, abrindo portas para mais inclusão e reconhecimento da riqueza da experiência humana.
Alice Wu
Filha de pais imigrantes do Taiwan, a diretora de cinema e roteirista Alice Wu é conhecida por apresentar protagonistas asiáticas e temáticas relacionadas às vivências de mulheres lésbicas em seus filmes.
Seu primeiro longa-metragem, Saving Face (Livrando a Cara, 2005), é inspirado em suas próprias experiências enquanto mulher lésbica na comunidade taiwanesa americana. No filme, uma jovem médica focada na carreira se vê apaixonada por uma bailarina. Enquanto vive o relacionamento e pensa em como abordar sua sexualidade com a mãe, é surpreendida pela chegada dela, grávida e expulsa da comunidade, que lhe pede abrigo. Juntas, elas precisam lidar com tudo isso.
Após um longo hiato, Alice roteirizou, produziu e dirigiu o filme The Half of It (Você Nem Imagina, 2020), comédia romântica que conta a história de Ellie Chu, uma adolescente que ajuda seu colega a escrever cartas de amor para a garota de quem ele gosta. Secretamente, porém, Chu também é apaixonada por ela. No lançamento do seu segundo filme, Alice comentou sua primeira obra em entrevista: “Quinze anos atrás, com meu primeiro filme Livrando a Cara, eu tinha a mesma pergunta constantemente: ‘esse final é feliz demais?’. Na época, por mais que eu visse a realidade ali nos meus personagens, eu confessei não saber se aquele final feliz poderia ser esperado na vida real; mas como uma mulher queer, eu queria – precisava – ver para crer que isso poderia acontecer comigo”.
Céline Sciamma
Diretora e roteirista francesa, Céline Sciamma tem uma filmografia que inclui obras muito importantes de temáticas LGBT+, como identidade sexual, amor entre mulheres, fluidez de gênero e o olhar feminino, no geral.
Seu primeiro filme, Lírios D’Água (Water Lilies, 2007), acompanha o despertar sexual de três garotas adolescentes no subúrbio de classe média em Paris.
Outro filme marcante de sua obra é Tomboy (2011), que conta a história de uma criança de 10 anos que não segue padrões pré-estabelecidos de gênero e, ao se mudar para um novo bairro, tem a chance de experimentar sua expressão de gênero, adotando outro nome e identidade para os novos amigos.
Entre muitos bons filmes da cineasta, está o poético Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait of a Lady on Fire, 2019), indicado a diversos prêmios. O filme, que se passa no final do século 18 na França, acompanha a relação de uma aristocrata e uma pintora contratada para pintá-la para seu casamento. Por causa disso, passam muitos dias juntas e se aproximam cada vez mais.
Ao longo de toda sua carreira, Céline colocou as mulheres no centro de suas obras e é um forte nome do 50/50×2020, movimento que busca a paridade de gênero na indústria cinematográfica.
Uma curiosidade: Céline e a atriz Adèle Haenel se conheceram no set de Lírios D’Água, e, tempos depois, começaram a se relacionar. A parceria artística se repetiu em Retrato de Uma Jovem em Chamas, porém, pouco antes das gravações do filme, o relacionamento chegou ao fim. Elas continuam próximas e amigas.
Dee Rees
A roteirista e diretora americana Dee Rees teve uma estreia potente e marcante com o longa-metragem Pariah (2011), drama independente que ela define como semi autobiográfico. O filme acompanha Alike, uma adolescente negra de 17 anos, enquanto luta para construir e abraçar sua identidade lésbica, explorando também as complexidades da religião, política e classe socioeconômica dentro e ao redor de uma família negra.
Após o grande sucesso do filme, Dee Rees passou por uma luta que muitos novos diretores negros enfrentam. Segundo ela, “sentia que tinha que convencer as pessoas de que não foi algo isolado – não foi um acaso. Não era a única história que eu podia contar.”
E assim o fez. Em 2015, seu filme Bessie estreou na HBO, estrelando Queen Latifah como a icônica cantora de blues Bessie Smith. Com ele, conquistou quatro Emmy Awards, incluindo a categoria Melhor Filme para Televisão.
Pouco tempo depois, Dee foi a primeira mulher afro-americana a ser indicada ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, por Mudbound (2017), filme que retrata as tensões raciais no Mississipi rural, durante a Segunda Guerra Mundial.
Lisa Cholodenko
Lisa é produtora, roteirista e diretora cinematográfica. Seu filme Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, 2010), lhe rendeu quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. Ele conta a história de um casal de mulheres com dois filhos, que vê a dinâmica familiar virar de cabeça para baixo quando seu doador de esperma entra em cena.
Em entrevista, Lisa afirmou: “Acho que as pessoas acharam The Kids Are All Right incrivelmente novo porque é como se, finalmente, alguém não precisasse morrer. Eu me sinto muito cínica em relação ao filme do gay mártir. Acho que já passamos da fase de sermos representados dessa forma. Você sabe, eu desafio as pessoas, se elas vão colocar a vida gay ou personagens gays na tela, a fazerem isso de uma forma muito mais complexa, nova e digna.”
Além de outros filmes e produções para TV, como a minissérie Inacreditável (Unbelievable, 2019), baseada em casos reais de estupro em série em Washington e Colorado, e alguns episódios da série The L Word.
Phyllis Nagy
Cineasta, roteirista e diretora de cinema e teatro, Phyllis Nagy dirigiu Call Jane (2022), filme que retrata um grupo de mulheres vanguardistas que, em 1960, cria uma organização secreta para oferecer abortos seguros. O contexto é a história de Joy, cuja gravidez coloca sua vida em alto risco, mas a interrupção não é permitida pela lei da época.
Além ter dirigido outra produção aclamada, Mr. Harris (2005), que lhe rendeu duas indicações ao Emmy, Phyllis é muito conhecida por seu trabalho como roteirista de Carol (2015), que conta a história de amor entre Carol, uma mulher passando por um processo de divórcio, e Therese, uma jovem vendedora e aspirante a fotógrafa, quinze anos mais nova.
Muito crítica ao retrato de mulheres lésbicas na indústria cinematográfica, Phyllis declarou em entrevista: “Quando alguém está criando seu trabalho, é importante incluir personagens interessantes. Eles não precisam ser santos; é preferível que não sejam, mas que sejam apresentados como pessoas reais, com complexidades reais, que não estejam sobrecarregadas por ter o peso de séculos de atitudes sexuais atrás delas, nem sobrecarregadas por ter que representar cada pessoa gay na Terra. Apenas personagens realmente honestos se comportando em um mundo que os aceita ou não”.