Com a mesma profundidade emocional de “San Junípero”, episódio toca fundo ao retratar um romance entre mulheres atravessado pela ficção, pela perda e pela memória
Por Rayanne Tovar
O terceiro episódio da sétima temporada de Black Mirror, intitulado “Hotel Reverie”, coloca no centro da narrativa uma história de amor sáfico que combina ficção científica, nostalgia cinematográfica e um drama emocional de partir o coração. Com atuações sensíveis e cativantes de Issa Rae (Barbie) no papel de Brandy Friday e Emma Corrin (The Crown) como Clara/Dorothy, o episódio mergulha em temas como o desejo e os limites da realidade – e do amor.
Brandy é uma atriz de Hollywood que, frustrada com os rumos da sua carreira, aceita participar de uma experiência de “re-filmagem” digital: ela será transportada para dentro de um filme clássico de 1949, vivendo como protagonista dentro da história. Para voltar ao mundo real, precisa seguir o roteiro à risca. O que parecia um desafio controlado se transforma em um pesadelo (ou não) quando uma falha técnica a prende dentro da simulação. Ali, apenas ela e Clara/Dorothy – sua parceira romântica no filme – permanecem conscientes, enquanto todo o resto está congelado dentro da simulação.

O romance entre Brandy e Clara/Dorothy se constroi ao longo de meses (dentro da simulação), carregando uma aura melancólica e profundamente humana. Aos poucos, o episódio nos revela que na vida real, Dorothy – uma jovem atriz que, diferente do que a grande mídia da época sugeria, não estava apaixonada pelo ator que fazia seu par romântico em “Hotel Reverie”, mas sim por uma mulher de sua equipe. Essa revelação dá novo peso à história e à relação entre Brandy e Clara/Dorothy, pois o amor vivido na simulação ecoa sentimentos que, no mundo real, foram silenciados. Dorothy morreu pouco tempo após o término das gravações, vítima de uma overdose, e o episódio nos faz imaginar como poderia ter sido sua vida caso tivesse podido viver aquele amor abertamente.
O desfecho da trama é ao mesmo tempo doloroso e poético. O amor entre Brandy e Dorothy, mesmo tão real dentro da simulação, precisa confrontar os limites da própria existência. Há um esforço desesperado de Brandy em permanecer naquela realidade ao lado de Dorothy, como se pudesse, enfim, corrigir o destino trágico da atriz. Mas a tecnologia, por mais avançada que seja, não oferece soluções simples para isso.
O episódio se encerra com um gesto de ternura: uma possibilidade de conexão entre Brandy e a consciência digitalizada de Dorothy, não como substituição de uma vida real, mas como lembrança viva de um amor que, embora breve, foi verdadeiro. Hotel Reverie não busca finais felizes fáceis, ele nos entrega algo mais raro: um final sincero, que reconhece a dor, a memória e a beleza de um sentimento que insiste em existir.
Foto em detaque: Reprodução: Hotel Reverie/Black Mirror