No mundo LGBTQ+ do entretenimento, as notícias de mortes de personagens e cancelamentos de séries (infelizmente) já viraram comuns. Ainda mais quando falamos de mulheres lésbicas, bissexuais e pansexuais representadas na TV e no cinema. Elas, acima de tudo, são constantemente apagadas, suas identidades invisibilizadas.
Mas e quando isso chega no mundo real?
No dia 2 de junho de 2023, Fong Hiu Tung (26 anos) e Lau Kai Hei (22 anos) foram brutalmente assassinadas em um shopping da cidade de Wong Tai Sin, em Hong Kong.
Fong e Lau namoravam há meses, e estavam passeando antes de se encaminhar para o aniversário do avô de Fong. Por volta das 17h, um homem chamado Szeto Sing-Kwong (39 anos) atacou Fong usando uma faca comprada dentro do shopping; ao tentar defender sua namorada, Lau acabou sendo ferida também. As duas foram socorridas, mas acabaram falecendo a caminho do hospital.
Segundo a polícia, o homem que atacou o casal não tinha nenhuma conexão com elas, e depois de ser apreendido foi enviado a uma instituição psiquiátrica. Acredita-se que ele direcionou o ataque a Fong e Lau porque eram um casal de mulheres que, acima de tudo, não performavam feminilidade.
As informações foram todas apresentadas pelas autoridades responsáveis pelo caso: o casal já estava junto há meses, inclusive morando junto, e possivelmente se tornaram alvo por conta da sua performance de gênero. Ainda assim, grandes veículos de mídia escolheram omitir tudo isso.
Canais como CNN e South China Morning Post se referiram a Fong e Lau como “amigas”; outros mencionaram que as duas vieram de “famílias quebradas”. No geral, jornais e programas de TV de Hong Kong e do mundo escolheram ignorar a identidade das duas e focar no diagnóstico psiquiátrico do agressor.
Tradução das imagens: Duas mulheres esfaqueadas até a morte em um ataque no shopping que chocou Hong Kong. Vídeos com alto teor gráfico circulando nas redes sociais parecem mostrar o agressor segurando uma das mulheres no chão e golpeando-a repetidamente. Eles também mostram a amiga da mulher tentando afastar o homem, sem sucesso. As gravações não mostram, mas ela também foi agredida.
Mesmo a saúde mental sendo uma questão importante em crimes como esse, negar a relação afetiva das vítimas só agrava um problema que nós enfrentamos na comunidade LGBTQ+: a omissão de crimes de ódio (e a perspectiva de direitos iguais – principalmente em um país como Hong Kong).
Em sua crítica ao ocorrido, a Dra. Lucetta Kam, docente de estudos de gênero na Universidade Batista de Hong Kong, argumentou que não é que a mídia precisa sempre falar sobre a sexualidade ou identidade de gênero das vítimas, mas que nesse caso o silêncio sobre esse assunto é preocupante. O público de Hong Kong não está habituado a receber notícias tão terríveis, principalmente quando se fala de agressão contra mulheres. Mulheres queer, então, recebem menos atenção ainda, e isso é algo a ser questionado.
A omissão das sexualidades de Lau e Fong é uma forma de negar a batalha diária da comunidade LGBTQ+ por aceitação, porque significa que o assassinato não vai ser noticiado como um crime de ódio. Além disso, se tratam de duas mulheres, cuja morte nos alerta para os altos índices de feminicídio no mundo inteiro.
Tradução: Assassinatos em Hong Kong aumentam a discussão sobre formas de noticiar questões LGBTQ. Em Hong Kong, onde atos violentos são raros, um recente homicídio duplo deixou habitantes e policiais em choque, e também aumentou críticas sobre a mídia dentro da comunidade LGBTQ.
Tradução: Polícia de Hong Kong exposta por não reconhecer o relacionamento do casal. Ativistas LGBTQ+ ao redor do mundo expressaram seu descontentamento com a condução do caso de assassinato e com declarações da imprensa.
Felizmente, a internet já está atenta a tudo isso e agora pessoas e canais independentes estão espalhando a notícia, colocando o relacionamento entre as duas mulheres como foco. No fim, todos nós devemos trabalhar juntos para divulgar o ocorrido, porque a morte de Lau e Fong mostra que mulheres LGBTQ+ precisam de acolhimento e proteção agora, mais do que nunca.
E, assim como a luta dentro da indústria do entretenimento, a aceitação começa pelo fim do apagamento das nossas identidades.
Desejamos paz e conforto para os familiares e amigos de Fong Hiu Tung e Lau Kai Hei neste momento difícil.
FONTES:
Impact, no Instagram