- Quem já leu fanfic, sabe que existe um subgênero muito específico no romance, que é a famosa problemática de se apaixonar pelo seu colega de quarto. O título da obra já deixa escancarado que vai abordar essa temática, mas não há nada que se compare à ler um livro físico com um saborzinho de fanfic. Não é surpresa, portanto, que “Never Kiss Your Roommate” de Philline Harms seja uma publicação da Wattpad Books.
Desde já deixo claro um problema bem grande para quem está acostumado a ler somente no e-reader ou no celular: foi literalmente impossível encontrar uma versão epub, pdf ou mobi desse livro, pois ele só está disponível no Brasil pela Amazon na versão física, ou nas histórias pagas do próprio Wattpad. Apesar disso (e do preço salgadinho), posso dizer de boca cheia que esse livro valeu cada centavo, e eu espero muito que ele seja traduzido em breve, para que fique disponível por um preço mais acessível.
“Never Kiss Your Roommate” traz não uma, mas duas histórias de romance LGBTQIA+ que acontecem simultaneamente no colégio interno de Seven Hills. Evelyn e Seth se conhecem no trem a caminho do internato, e se tornam melhores amigos ainda nas primeiras páginas. É logo no comecinho, também, que você percebe que o livro é bastante sinestésico, com descrições de sensações tão envolventes que fazem você sentir na sua pele o que acontece com os protagonistas.
Chegando no internato, a dupla de novatos encontra um castelo com jeitinho de Hogwarts, cheio de escadarias, uniformes pitorescos, grandes salões de jantar e bibliotecas sombrias onde acontece de tudo. Enquanto Evelyn sofre com um clássico caso de “enemies to friends to lovers” com Noelle, sua austera e taciturna colega de quarto, Seth se sente imediatamente atraído pelo melhor amigo de Noelle, Jasper, um diretor de peças de teatro carismático e pomposo.
Noelle é apresentada como uma menina mal-humorada e difícil de se conviver, mas Evelyn descobre o outro lado de sua companheira de quarto quando é mandada com ela para um jogo de “Seven Minutes in Heaven” numa festa. É nesse momento que o Chitter Chatter se apresenta como ameaça: o blog de fofocas do colégio confere à história uma conhecida pegada de Gossip Girl, a campeã de audiências da CW. Para quem gosta da série e busca algo semelhante, porém com representatividade sáfica, o livro é uma ótima recomendação. Apesar de não ser o foco principal da narrativa, o Observador do Chitter Chatter provoca Evelyn constantemente ao colocá-la sob o holofote de Seven Hills com fofocas e rankings sobre ela e seus amigos, fazendo com que todos questionem quem é o misterioso redator do blog.
Esse foi um dos livros em que mais fiz marcações, por ter frases engraçadas e momentos apaixonantes entre os personagens. Jasper, sem dúvidas, é um maravilhoso alívio cômico para a história, e lembra muito o personagem Pez de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, outro romance LGBTQIA+ (porém, esse é aquiliano). Além disso, a orientação sexual dos personagens é muito clara, e eles abordam o tema com bastante sagacidade e naturalidade, de forma inclusive dinâmica e por vezes cômica, trazendo como exemplo Jasper, que é pan, e trata do assunto de maneira divertida. Com os protagonistas muito bem resolvidos com esse tema, a história não é uma narrativa que gira em torno do processo de se
assumir, o que me agradou, deixando espaço para que esse tema seja discutido, mas para que também haja espaço para a trama principal.
Outro ponto importante de se mencionar é que, além da representatividade LGBTQIA+, o livro traz também uma protagonista preta, que discute em vários momentos o privilégio branco e sua luta para que seus esforços sejam reconhecidos no colégio.
Apesar da incógnita em torno da identidade do Observador do Chitter Chatter trazer uma carga de suspense para a narrativa, não se deve esperar muito do mistério em “Never Kiss Your Roommate”. Não precisa estar muito atento aos detalhes para que, na metade do livro, já se tenha uma noção bem óbvia de quem anda espalhando os segredos da turma no blog. Para mim, pelo menos, a revelação não foi nada surpreendente, mas também não foi uma escolha leviana por parte da autora: as motivações do Observador fazem sentido para a trama, e não fica nenhuma ponta solta.
Ainda assim, o final do livro escala para uma situação bastante inesperada. A “battle scene” da narrativa é curta, porém chocante e surpreendente. Há gatilhos para violência física e menções de relacionamento abusivo, para que o leitor esteja atento. Ela confere um quê de investigação bastante leve para a história, trazendo para o foco Seth, grande fã de romances policiais, para salvar o dia. Não encontrei a classificação indicativa do livro, mas diria que é recomendado para um público +14.
Esses detalhes são diminutos, porém bem articulados, o que me leva a recomendar o livro com satisfação. Daria cinco estrelas por trazer um romance gostoso com o bônus de um pequeno suspense, além de toda a representatividade positiva e a resolução redonda e bem pensada, apesar de um tanto previsível. É uma leitura que vale a pena para todos os fãs de romance de boarding schools que procuram representatividade LGBTQIA+.
– Compre o livro