Olívia Pilar é uma escritora, com mestrado e doutorado em Comunicação Social pela UFMG. Seu foco é trazer representatividade para suas narrativas, destacando protagonistas negras e jovens que se apaixonam por outras garotas. Ela já lançou cinco contos de maneira independente, incluindo obras como “Quando o sol voltar” e “Entre estantes”. Recentemente, lançou o seu romance de estreia, “Um traço até você”, publicado pela editora Intrínseca.
Em entrevista ao Lesbocine, a autora Olívia Pilar compartilhou detalhes sobre sua jornada de autodescoberta e como a falta de representação na mídia pode afetar jovens em busca de compreender sua sexualidade. Além disso, ela destaca seu desejo de continuar escrevendo histórias que preencham lacunas de representatividade, especialmente com protagonistas negras e sáficas.
Como foi o processo para entender a sua bissexualidade? Teve alguém na mídia que se tornou referência para você durante esse processo?
Foi bem demorado, sendo sincera. Me entendi como uma mulher bissexual já no final da casa dos 20 anos. Quando era mais nova e ficava admirada por uma garota, ou querendo me tornar amiga dela a qualquer custo, não entendia que isso era nada mais, nada menos, que pura atração, o que também sentia por garotos. E demorou bastante pra conseguir entender que pessoas bissexuais existem e merecem ser felizes, com respeito e afeto. Até mesmo entender que a bissexualidade não diz somente de uma preferência por homens e mulheres. Tudo foi um processo. E essa demora tem muita relação com a falta de representação da bissexualidade na mídia, no geral. Acredito que se tivesse tido uma referência quando mais nova, teria me entendido muito antes. Não consigo me lembrar de nenhuma representação midiática que tenha me ajudado durante o processo.
A bissexualidade em muitos produtos, principalmente no audiovisual, é retratada através de elementos narrativos que percorrem pela confusão, promiscuidade e/ou ambiguidade. Para você, como isso afeta os jovens que estão entendendo a sua sexualidade?
Qualquer representação que aborde só uma característica e tente fixar um grupo inteiro nela, é nociva. E quando se trata de juventude, que é exatamente a época em que estamos construindo nossa identidade, isso se torna ainda mais negativo. Não da pra dizer que toda pessoa se compreende enquanto bissexual sem passar por períodos de dúvida e confusão, ao mesmo tempo que não da pra dizer que bissexualidade é sobre dúvidas e confusões, acho que a diferença estar em compreender que cada processo é único. Mas, hoje, acho que precisamos combater em especial esses estereótipos que diminuem a bissexualidade a lados apenas negativos.
As suas histórias se tornaram referências para jovens mulheres pretas e sáficas, o que te motivou a começar a escrever sobre esses romances e histórias?
Sempre digo que gosto de escrever o que queria ter lido quando era mais nova, e continuo com essa posição. Não é comum encontrar histórias com protagonistas negras e sáficas/bissexuais, e acho que é isso que quero continuar entregando para o mundo. Histórias que não necessariamente são sobre mim, mas também falam sobre mim enquanto uma mulher preta e bissexual.
atualmente meu maior orgulho como escritora é ter bancado não só uma, mas DUAS mulheres negras na capa de um livro que saiu por uma das maiores editoras do país!!!!!
📢 me ajuda a fazer essa história chegar em mais leitores? https://t.co/E67SRbncZy pic.twitter.com/DrU1b1hWta
— Olívia | UM TRAÇO ATÉ VOCÊ! (@oliviapilar) September 18, 2023
Além de autora, você é pesquisadora e ministra palestras sobre Representatividade, no seu mestrado você buscou definir o conceito de representatividade a partir de uma análise sobre as personagens mulheres negras na novela Malhação: Viva a diferença, conta para gente um pouco sobre sua pesquisa, e onde podemos ter acesso a dissertação.
Minha dissertação já está disponível tanto no acervo do meu Programa de Pós-graduação quanto no acervo digital da UFMG. Nela eu abordei as diferenças e proximidades do que seria o conceito de representatividade com o conceito de representação, que já utilizamos bastante no campo da Comunicação (minha área). E trabalhei isso através das personagens mulheres negras na temporada 2017-2018 de Malhação. Um dos meus achados foi entender que a representatividade é um processo e que, dificilmente, um produto vai conseguir entregar todas as “regras” que conseguimos apontar, mas ele pode estar no caminho disso. Além disso, representatividade seria mais do que só existir a representação ali, ela precisa ser melhor trabalhada.
Nos últimos anos houve um crescimento no lançamento de obras voltadas para comunidade LGBTQIA+, como você enxerga o impacto desses livros na nossa comunidade, especialmente na vida de mulheres lésbicas e bissexuais?
Acho que quanto mais livros LGBTQIAP+ o mercado editorial conseguir entregar e comportar, melhor para nós. Isso porque as vivências são únicas e, ainda que a gente se identifique com uma obra em específico, ela nunca vai conseguir entregar tudo o que pensamos, sentimos e queremos consumir. Então, quanto mais livros, melhor! E que mais sáficas consigam se ver representadas nessas obras!
Você pode contar para gente mais detalhes sobre o livro “Um traço até você”?
“Um traço até você” é meu primeiro romance depois de uma carreira focada na publicação de contos, no mercado independente e tradicional. Ele foi publicado pela editora Intrínseca no finalzinho de julho deste ano e conta a história da Lina, uma garota que sonha em ser ilustradora, mas não tem o apoio dos pais nem o dinheiro para um curso de desenho no exterior. Ela começa em um estágio na área da Administração, curso que faz na faculdade, ao mesmo tempo em que conhece Elza, uma jovem escritora (também negra) com uma vivência completamente diferente que vai ajudar a Lina a se entender melhor no mundo. As duas vão conseguir, juntas, superar os medos, inseguranças e as dúvidas da idade, além de se apoiar em situações muito complicadas. É um livro que aborda a jornada da autodescoberta, tem reflexões sobre racismo, mas além de tudo foca em um romance de aquecer o coração!
Você tem um contato próximo com os seus leitores, seja pelas redes sociais ou através dos eventos, você pode compartilhar conosco alguma experiência positiva que tenha te marcado?
Apesar de uma curta carreira, posso dizer que já vivi experiências muito lindas nesse mercado. Duas delas aconteceram recentemente na Bienal do Livro do Rio. A primeira quando uma garota me abraçou, chorando, dizendo que eu nunca posso parar de escrever porque o que eu faço é muito importante para ela e outras garotas negras e sáficas. E a segunda foi quando uma mãe de uma leitora me desejou todo o sucesso do mundo, com lágrimas nos olhos – essa é muito marcante porque é lindo ver pais apoiando seus filhos LGBTQIAP+.
Sabemos que é difícil escolher um só, mais qual das suas obras vocês gostaria que fosse adaptada para um filme ou série?
Com certeza “Um traço até você”. Acho que seria uma história linda para se ver nas telas. E, em segundo, acho que “Entre estantes”.
É perceptível que a literatura trouxe os finais felizes que almejamos, mas como você vê o futuro da representatividade no audiovisual brasileiro? Será que teremos mais histórias leves no futuro?
Acredito que sim e torço muito para que isso aconteça. O audiovisual ainda é muito carente de histórias felizes sobre mulheres sáficas, mas sinto que esse cenário vai mudar! Quero ver também mais mulheres negras sendo retratadas por essa ótica, pensando que merecemos e devemos alcançar a felicidade!
Se você pudesse dar um conselho para si mesma quando estava tentando entender à sua sexualidade, qual seria?
Fica calma, Olívia, tudo vai dar certo. E tudo isso que você está sentindo é perfeitamente normal. Ah, aquela garota que faz seu coração dar pequenos pulos… você não quer ser só amiga dela, quer algo a mais.