A norma promulgada na capital do Rio Grande do Norte nesta quarta-feira, 29, reforça o estigma contra manifestações de diversidade e repete um debate que volta e meia ressurge em câmaras de todo o país
por Rayanne Tovar
A lei, de autoria da vereadora Camila Araújo (União), aprovada em agosto e promulgada no fim do mês de outubro, passa a punir com advertência e multa organizadores de eventos que permitirem a participação de crianças em atividades classificadas como “propícias à erotização”.
De acordo com a norma, o descumprimento pode gerar sanções que variam de advertência, em caso de primeira infração. A multa é de cinco a 20 salários mínimos em caso de reincidência. Se o evento for promovido por ente público, poderá ser aberto procedimento administrativo para apurar a conduta do gestor responsável.
Na prática, a norma associa paradas e manifestações LGBTQIA+ a contextos de nudez ou conotação sexual, ignorando que esses espaços são, há décadas, ambientes de celebração, luta e convivência familiar.
“As paradas são espaços de empoderamento, cidadania e visibilidade. Não é a comunidade LGBTQIA+ que erotiza a infância — é o preconceito que insiste em sexualizar nossa existência”, afirma Rebecka de França, presidenta do Conselho Estadual LGBTQIA+ do Rio Grande do Norte.
Esse tipo de projeto tem se tornado recorrente em câmaras legislativas de todo o Brasil. De tempos em tempos, propostas semelhantes são apresentadas com o mesmo discurso de “proteção à infância”, mas com efeitos práticos de censura e exclusão.
O Supremo Tribunal Federal já analisou casos parecidos, como o do Amazonas, onde uma lei com o mesmo teor foi considerada inconstitucional por ferir direitos fundamentais e associar, sem base, eventos LGBTQIA+ à sexualização.
Ao confundir identidade de gênero e sexualidade com erotização, leis como a de Natal reafirmam uma visão distorcida sobre o que significa ser LGBTQIA+ e estar em público. Elas tratam manifestações de orgulho e pertencimento como ameaça, quando, na verdade, são espaços onde famílias diversas, inclusive com crianças, se reconhecem e constroem redes de afeto e cidadania.
Em vez de proteger as crianças, esse tipo de legislação tenta privá-las da diversidade. E o resultado é sempre o mesmo: mais medo, mais preconceito e menos liberdade.
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