A roteirista e a diretora responderam como foi pensado e realizado o casal Helena Maravilha (Fabiana Karla) e Marlene (Deborah Secco), além da importância de casais entre mulheres nas telas brasileiras
Por Vitória Vasconcelos
Realizada como produção original da Globoplay, streaming da Rede Globo, em parceria com a Glaz Entretenimento, o seriado “Rensga Hits!” chegou para sua segunda temporada em setembro deste ano.
A série, que aborda a indústria musical sertaneja, trouxe mais música, dramas e amor na nova temporada. Inclusive, em meio às paixões afloradas, um amor ressurge entre as personagens Helena Maravilha (Fabiana Karla) e Marlene (Deborah Secco).
E para falar melhor sobre esse casal que se tornou tão querido entre os fãs das atrizes e da produção, o Lesbocine convidou Bia Crespo e Carol Durão, a roteirista e a diretora de “Rensga Hits!” respectivamente, para responderem curiosidades sobre esse novo casal.
Lesbocine: Como decidiram o romance entre Marlene e Helena?
Bia Crespo: Quando começamos a desenvolver a série, o passado delas ainda era um mistério, pois não era uma trama que afetava diretamente a primeira temporada. Nós decidimos que elas haviam sido uma dupla que rompeu vinte anos antes, no auge do sucesso, mas não especificamos os motivos. Na minha cabeça fanfiqueira, sempre foi por causa de um romance que Marlene e Helena teriam vivido; era uma coisa que eu falava brincando na sala de roteiro. Depois do sucesso que o casal Deivid e Kevin fez na primeira temporada, sentimos que havia bastante aceitação do público para tramas LGBTQIAP+, então decidimos desenvolver a história do romance delas. Foi algo que toda a sala de roteiro apoiou, além da produtora, das diretoras e das atrizes. Além disso, é inovador retratar uma rivalidade feminina que não gira em torno de figuras masculinas – acho que foi isso que mais surpreendeu o público.
Carol Durão: Essa ideia foi algo que foi se estabelecendo no imaginário da primeira temporada de uma forma muito forte. Já existia esse desejo da equipe de roteiro, de pensar que esse segredo era algo relacionado a uma história de amor. E aí o fato de termos mulheres na chefia da sala, nos tirou do lugar clichê de que elas seriam duas amigas que teriam brigado por um homem. Então, com as trocas entre roteiro e direção, essa ideia de que elas teriam sido um casal, que pairava na cabeça da Renata Correa e da Bia Crespo, permeou a preparação de elenco e a construção dos personagens nas possibilidades do que teria sido esse passado. Isso se refletiu fortemente no resultado, por exemplo, na postura física que Deborah criou pra Marlene, trejeitos, tom de voz. A direção abraçou esse imaginário, enxergou também o personagem da Marlena na linha da “sapatão de sítio”. Ao final da 1T era claro pra todos nós que esse era o passado delas e foi muito legal que o Globoplay comprou essa história na segunda temporada.
L: O beijo das personagens e a relação delas repercutiu de forma extremamente positiva entre os fãs da série. Esperavam que o casal fosse ser tão bem aceito e adorado?
BC: Sempre acompanhei portais de notícias sáficas e os comportamentos de fandoms na internet, então eu apostava alto na repercussão. O público que consome narrativas sáficas é ávido por representatividade e costuma ser bastante vocal nas redes sociais. Mesmo assim, foi uma surpresa ver que tantas pessoas fora da nossa comunidade apoiaram o casal e repercutiram o beijo. Ter atrizes carismáticas e conceituadas como Deborah e Fabiana ajudou bastante nessa aceitação.
CD: É uma felicidade que o casal tenha sido tão bem recebido pelos fãs da série e pelo público de maneira geral. Aos poucos estamos conquistando mais espaço para histórias sáficas. O público está mais acostumado com romance entre homens, mas vejo que estamos conseguindo criar o interesse por histórias de amor entre duas mulheres, podendo ter um final feliz para elas.
L: Como Fabiana Karla e Deborah Secco receberam a notícia de que suas personagens teriam um envolvimento romântico?
BC: Na festa de lançamento da série, ainda em 2022, a Deborah já tinha me dito que queria uma cena de beijo entre a personagem dela e a da Fabiana (risos). Mesmo não estando no roteiro da primeira temporada, a tensão era latente entre as personagens. A revelação de que tinham um passado romântico pareceu orgânica para equipe e elenco.
CD: De forma muito natural, tendo em vista que isso esteve como possibilidade desde o início da preparação delas. A rivalidade entre as duas personagens é muito forte na primeira temporada e isso implica uma obsessão, uma pulsão forte entre elas. As duas são atrizes incríveis e trouxeram uma verdade muito grande pra esse amor recalcado. E esse amor engrandeceu muito as personagens, criou outras camadas, que elas, grandes atrizes que são, entenderam na hora essa força.
L: De que forma trabalharam o envolvimento entre as atrizes em set para trazer tamanha naturalidade para o romance delas?
CD: Da mesma forma que trabalhamos os outros love plots. Nesse sentido não há diferença, é preciso construir a verdade daquela relação. E os flashbacks embasaram muito bem a história contada, ficou fácil. Deborah e Fabiana são muito amigas, tinham bastante intimidade já, criamos uma atmosfera de cuidado nas cenas de beijo e o resto fluiu. O mais importante pra gente era trazer nas poucas cenas de beijo a força desse amor que ficou tanto tempo reprimido e que agora iria desaguar. A complexidade era muito menos de ser um casal de mulheres, e muito mais de ser um casal que teve receio de viver esse amor por tanto tempo devido ao preconceito da época, mas que agora se reaproximou.
L: Mais séries e novelas têm trazido representatividade sáfica atualmente. Para vocês, o que significa o romance entre Marlene e Helena?
BC: Apesar de ver a representatividade sáfica aumentando no audiovisual, ainda sinto falta disso nas telas brasileiras. Também precisamos de mais diversidade de corpos, de idades, de raças… Ter duas mulheres com mais de 40 anos vivendo uma história de amor com final feliz foi uma grande conquista. Penso nas garotas e mulheres do Brasil profundo, que não tem acesso às webséries sáficas ou mesmo às séries internacionais, mas que vão se enxergar nessa trama quando ela for exibida na TV aberta. E também nas pessoas heterossexuais que vão entrar em contato com uma história de amor LGBTQIAP+ retratada com realismo e respeito, percebendo que nossa forma de amar não é tão diferente da deles.
CD: Rensga sempre se propõe a conciliar mundos que o público imagina que não são conciliáveis. Cantoras assumidamente lésbicas já existem no sertanejo, como o exemplo da Lauana Prado, hoje é possível se assumir sem que isso seja um impeditivo de carreira. Há um tempo recente atrás, que seria o passado de Marlene e Helena, isso não era tão simples. Então contar o passado de Marlene e Helena é falar sobre as pequenas mudanças que tivemos, sobre as conquistas que estamos batalhando, mas também sobre o que ainda não está conquistado, não é permitido ou não é bem visto. Nada mais singelo que o amor verdadeiro entre duas pessoas, sejam elas de que sexo forem. E falar disso dessa forma natural no universo sertanejo é muito importante, já que seria um público mais conservador a princípio, espelhando uma parte do público brasileiro. Esperamos desmistificar o amor entre mulheres.
Bia Crespo
É roteirista, escritora e produtora. Colaborou no roteiro do filme Meus 15 anos, escreveu os longas 10 horas para o Natal, A sogra perfeita, Galeria Futuro, e a série Rensga Hits! (Globoplay). É autora dos livros “Eu, minha crush e minha irmã” (Seguinte), que chegou à lista de mais vendidos da Veja na categoria Infantojuvenil, “A namorada do meu primo” e “A luta pelo que é nosso” que, juntos, somam mais de 1 milhão de páginas lidas no Kindle Unlimited. Mora em São Paulo com a esposa Lucí e as cachorrinhas Xena e Gabrielle.
Carol Durão
Diretora e roteirista, graduada em Cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF). Diretora da série “Rensga Hits!” do Globoplay (com Alice Wegman, Deborah Secco, Fabiana Karla e Lorena Comparato), nas primeira e segunda temporada, e Diretora Geral na terceira. Na Netflix lançou o longa-metragem “Doce Família” (com Mariana Xavier, Maria Padilha, Viih Tube e Gabriel Godoy), comédia que chegou ao Top 10 Brasil (2º lugar) e Portugal (3º), além do Top 10 Global de língua não inglesa. Na Prime Video (Amazon) dirigiu o especial “Feliz ano novo de novo” (com Ingrid Guimarães e Lázaro Ramos). Dirigiu as séries “A Vila” (com Paulo Gustavo); “Ferdinando Show, o Game” (com Marcus Majella) e “Truque de Humor” com Gabriel Godoy, no Multishow. Para web, dirigiu vídeos para o canal Porta dos Fundos, com milhões de views, e o mocumentário “Ferdinando.Doc: Por trás da Diva”.
Em 2025, prepara o lançamento do longa-metragem “Mamãe Saiu de Férias” (com Dani Calabresa e Rafael Infante) nos cinemas e a terceira temporada de “Rensga Hits!”, com sua direção geral.
Foto em destaque: Reprodução