A Revolta de Stonewall se tornou um dos principais marcos na história do movimento LGBTQIA+ no mundo, não é à toa que celebramos todos os anos, no dia 28 de junho, o “Orgulho LGBTQIA+”. Porém, apesar desse evento ter colocado foco na ausência de direitos e na marginalização da nossa comunidade, o ocorrido em Stonewall foi apenas o início de uma luta que duraria décadas.

Enquanto os “riots” ganhavam as ruas em Nova Iorque, aqui no Brasil, a comunidade vivia uma realidade semelhante a Stonewall, mas diferente em outros aspectos. Em 1969, o Brasil vivia o auge da Ditadura Militar, e durante esse período, muitas pessoas LGBTQIA+ foram perseguidas e sofreram violência por parte do Estado, isso incluía prisões arbitrárias, tortura e até mesmo assassinatos.
No entanto, mesmo diante da repressão, algumas publicações e espaços de resistência surgiram, como é o caso do jornal “O Lampião da Esquina“. Com 38 edições publicadas entre 1978 e 1981, o jornal trouxe discussões sobre direitos, identidade e sexualidade, tornando-se um marco importante para o movimento LGBTQIA+ no Brasil (GRUPO DIGNIDIDADE, 2023). Outra referência relevante é o “Chana com Chana“que teve sua primeira publicação em formato de jornal em 1981, porém, o grupo responsável pela publicação se desfez. A partir de 1982, o Grupo de Ação Lésbico Feminista (GALF), retomam a produção do Chanacomchana agora no formato de boletim, de publicação trimestral contendo 12 edições, sendo a primeira do ano de 1982 e a última em 1987. Esse coletivo teve um papel significativo na construção de espaços de acolhimento e organização para mulheres lésbicas (EDDINE, E. A., SENA, A. D., RODRIGUES, J. E., & LIMA, T. R, 2021).

A partir da década de 1970, surgiram os primeiros movimentos organizados de gays e lésbicas no Brasil. Dentre eles, destaca-se o Grupo Somos, fundado em 1978, que teve papel fundamental na luta pela visibilidade e pelos direitos da comunidade LGBTQIA+. A fundação do Grupo Somos é considerada um marco histórico para o movimento no país. O SOMOS teve um papel fundamental na luta pelos direitos e pela visibilidade da população LGBTQIA+ no país. A organização foi fundamental por levantar debates e incitar a luta de questões relacionadas a conquistas civis e sociais (MORANDO, 2022).
O Grupo Gay da Bahia (GGB), por sua vez, foi fundado em 1980 e é uma das organizações LGBTQIA+ mais antigas do Brasil. O GGB também se destacou por sua atuação na denúncia da violência homofóbica e na promoção dos nossos direitos. Através do seu boletim informativo, o grupo documentou e divulgou casos de violência e assassinatos de pessoas LGBTs, chamando a atenção da sociedade e das autoridades para essa realidade. Além disso, uma das primeira lutas do grupo foi a extinção do parágrafo 302.0 do Código de Saúde do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), que classificava a homossexualidade como um “desvio e transtorno sexual” (CARNEIRO, 2015).
Durante os anos 1980, o Brasil viveu um período de efervescência política e social, marcado pela redemocratização e pelo crescimento dos movimentos sociais. No entanto, nessa década, outro desafio enfrentado pela comunidade foi a luta contra a AIDS. A doença atingiu especialmente essa população, e o estigma e a discriminação em relação às pessoas LGBTQIA+ foram exacerbados. Nesse contexto, movimentos de prevenção, informação e cuidados de saúde surgiram para enfrentar a epidemia. Ativistas, como Brenda Lee, desempenharam um papel fundamental na promoção da saúde e na defesa dos direitos das pessoas soropositivas, Brenda inclusive, foi responsável por criar a primeira casa de apoio para pessoas com HIV no Brasil, que ficou conhecida como “Palácio das Princesas”.

Enquanto a comunidade lutava contra o HIV, a despatologização da homossexualidade é oficializada no Brasil. A partir de 1985, com a publicação da nova edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença mental (CARNEIRO, 2015). Essa mudança representou um avanço no reconhecimento da diversidade sexual e na luta contra o preconceito e a discriminação. A OMS ratificou essa mudança cinco anos após o Brasil, no dia 17 de maio de 1990, que é considerado hoje o “Dia Mundial de Combate à LGBTFobia”.
Além da despatologização, um avanço importante para a comunidade LGBTQIA+ foi a conquista da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, equiparando-a à união estável heterossexual. Dois anos depois, em 2013, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em uma decisão histórica. Essa medida foi fundamental para garantir a igualdade de direitos e o reconhecimento das uniões homoafetivas no país.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas trans podem alterar seu nome e gênero no registro civil, independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual ou de qualquer procedimento médico. Essa decisão reforçou o direito das pessoas trans à identidade de gênero e facilitou o processo de mudança do nome nos documentos.
Apesar dos avanços conquistados, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos em relação aos direitos LGBTQIA+. A violência contra nós é uma realidade preocupante, com altos índices de agressões físicas e homicídios motivados por homofobia e transfobia. De acordo com uma pesquisa realizada, o Brasil assassinou um LGBT a cada 32 horas em 2022, segundo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil (2023). Esse triste cenário é um reflexo histórico e político de uma sociedade que durante vários séculos nos marginalizou, mais do que nunca devemos criar estratégias individuais e coletivas para combater ativamente e efetivamente essa realidade, principalmente preservando a comunidade trans que é principal foco dessas violências.

Referências bibliográficas:
CARNEIRO, A.J.S. A morte da clínica: movimento homossexual e luta pela despatologização da homossexualidade no Brasil (1978-1990). In: XXVIII Simpósio Nacional de História [Internet]; 2015; Florianópolis, SC. Florianópolis, SC: UFSC; 2015 [citado em: 08 abr 2019]. Disponível em: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439866235_ARQUIVO_Artigo-Amortedaclinica.pdf Acesso em 26 de Jun de 2023
EDDINE, E. A., SENA, A. D., RODRIGUES, J. E., & LIMA, T. R. As mídias alternativas ChanacomChana e Lampião da Esquina: uma trajetória de resistência, identidade e visibilidade. Research, Society and Development, V.10 N. 3, 2021. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/350036218_As_midias_alternativas_ChanacomChana_e_Lampiao_da_Esquina_uma_trajetoria_de_resistencia_identidade_e_visibilidade Acesso em 28 de Jun de 2023
GRUPO DIGNIDADE. Lampião de Esquina. Disponível em https://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-esquina/ Acesso em 28 de Jun de 2023
MORANDO, L. Grupo Somos. Anda Direito: 30 de Maio de 2022. Disponível em https://andadireito.com.br/blog/grupo-somos/ Acesso em 26 de Jun de 2023
OBSERVATÓRIO DE MORTES E VIOLÊNCIAS LGBTI+ NO BRASIL. Dossiê denuncia 273 mortes e violências de pessoas LGBT em 2022. 8 de Maio de 2023. Disponível em https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em 28 de Jun de 2023